Grau 4 – Mestre Secreto: Visões Filosóficas
Por Hiran de Melo
Pacíficos e Amados Irmãos,
Nesta comunicação,
proponho olharmos o Grau 4 (*) – Mestre Secreto com um olhar um pouco diferente, mas
extremamente revelador: à luz da filosofia de cinco pensadores. Nosso objetivo
é unir o caminho espiritual da Maçonaria com a sabedoria que um olhar
filosófico pode oferecer, sempre em linguagem clara, acessível e fraterna.
À luz de Nietzsche,
Kant, Deleuze, Bourdieu e Foucault.
I. Grau 4 – Mestre Secreto - análise do Grau 4 na visão de Friedrich Nietzsche
1. A Moral do Dever e
a Vontade Submissa
No texto: “...assunção do dever... inabalável fidelidade...
dedicação ao cumprimento do dever... Justiça como princípio emanado da
Divindade”.
Nietzsche olharia para essas palavras com
desconfiança. Para ele, a moral baseada no dever — ainda mais quando ligada a
um ideal divino ou universal — é uma forma de submissão da vontade
individual. Trata-se de uma moral que aprisiona, construída para manter os
fortes sob o controle dos fracos. É o que Nietzsche chama de moral de
escravos: uma obediência imposta, movida pela culpa, pelo sacrifício e pela
negação da própria vida.
Nietzsche diria:
“Aqui vejo mais uma vez a sombra de Deus. Ainda adorais uma moral como se
fosse eterna, mas ela é invenção humana — e muitas vezes, criação dos fracos
para limitar os fortes”.
2. O Mestre Secreto e o Verdadeiro Eu
No texto: “O Mestre Secreto é aquele que já escutou, no
silêncio do Templo, a voz do seu verdadeiro Eu”.
Nietzsche talvez enxergasse aqui um sinal
do seu conceito de além-do-homem — mas só um vislumbre.
Ouvir a própria voz pode indicar
autenticidade, a criação de um caminho próprio. No entanto, o “verdadeiro Eu”
citado ainda está preso a ideias herdadas: justiça, sacrifício, dever,
verdade... conceitos que, segundo Nietzsche, vêm do platonismo e do cristianismo,
filosofias que negam a vida e exaltam o sofrimento.
Nietzsche provocaria:
“Vosso
‘Eu’ ainda está preso ao altar da moral! Onde está o homem que ri, que cria
seus próprios valores, que dança sobre os escombros dos ídolos antigos?”
3. O Sacrifício
No texto: “...abraçar os princípios que seu martírio
personifica: a inabalável fidelidade aos seus compromissos, o espírito de
sacrifício em prol do ideal...”
Nietzsche via o culto ao sofrimento
como um dos maiores males da cultura ocidental. Para ele, transformar o
martírio em virtude é celebrar a fraqueza.
Enquanto Pike vê grandeza em morrer por um
ideal, Nietzsche enxerga aí a negação da vida. Para ele, o que importa é
a força, o crescimento, a superação — não o sofrimento idealizado.
4. O Olho que Tudo Vê e a Consciência como Prisão
No texto: “...nenhuma ação ou pensamento escapa ao escrutínio
da Verdade... a avaliação deve emanar do próprio indivíduo”.
Nietzsche entenderia esse “Olho” como uma armadilha
disfarçada de virtude. A consciência que vigia tudo — seja a de Deus ou a
do próprio homem — pode se tornar uma prisão interna.
Para ele, essa vigilância constante é o olhar
do rebanho que se instalou dentro de nós. Não é liberdade, mas culpa
internalizada.
Nietzsche diria:
“Chamais
isso de consciência, mas eu vejo ainda o chicote do pastor marcado em vossas
costas”.
5. O Silêncio e a Sabedoria que Reprime
No texto: “O silêncio... é elevado à condição de suprema
expressão da sabedoria adquirida”.
Nietzsche, que valorizava a arte, o riso e a
criação, veria esse silêncio como uma falsa elevação. Para ele, sabedoria não é
se calar, mas agir, afirmar, transformar.
O silêncio reverente sugerido por Pike soa a
Nietzsche como mais uma forma de negar a vida.
“Silêncio?” — ele diria — “Prefiro
o trovão do espírito livre, o riso daquele que rompe correntes”.
6. Acolhida e
Mansidão Cristã
No texto: “Seja manso de coração, ensinou o Mestre da Semana
Santa. Não sejas fariseu...”
Nietzsche reconheceria aqui o eco do
cristianismo tradicional, com sua exaltação da humildade, da renúncia e do
amor incondicional.
Mas para ele, essas ideias nasceram do ressentimento
dos fracos, que inverteram os valores para transformar submissão em virtude.
Nietzsche responderia:
“O
leão não busca acolhida, ele ruge sua liberdade. A humildade é a máscara dos
ressentidos. O homem superior não se curva, ele cria e transforma”.
7. O Ritual: Caminho ou Sinal?
No texto: “O ritual é um valioso sinal no caminho, não o
próprio caminho da Paz e do Amor”.
Aqui, Nietzsche talvez concedesse um aceno de
aprovação. Romper com o ritual como fim em si mesmo já é um passo.
No entanto, ele lembraria: a vida não é
feita de paz e amor, mas de conflito, superação e criação contínua. O que
se busca não é acolhimento, mas transfiguração.
Conclusão Nietzschiana
Do ponto de vista de Friedrich Nietzsche,
o texto baseado em Albert Pike é bem construído, mas preso aos valores
antigos — à tradição, à moral herdada, à culpa e à ideia de um bem
universal.
Nietzsche diria que o verdadeiro Mestre não é
aquele que guarda os segredos do passado, mas aquele que cria o
futuro, que ousa desafiar os templos e trilhar um novo caminho com coragem.
O iniciado nietzschiano não busca consolo. Ele busca se tornar o que é.
II. Grau 4 – Mestre Secreto - análise do grau na visão de Immanuel Kant
1. A Interioridade e a Autonomia da Razão
Kant, em sua filosofia moral, afirma que a
verdadeira moralidade não pode estar baseada em recompensas externas ou em
mandamentos impostos de fora, mas sim na autonomia da razão – ou seja, na
capacidade do ser humano de legislar para si mesmo a partir de princípios
racionais universais.
No texto: “...este grau nos convoca à intrincada obra da
construção interior – a elevação do Templo espiritual que reside em cada Irmão”.
Análise
kantiana
A construção interior simboliza a formação de um sujeito moral autônomo, que
não age por conveniência ou temor, mas por dever. Isso é central para Kant: a
moral verdadeira é aquela que brota da razão prática, quando o indivíduo age
não apenas conforme o dever, mas por respeito ao dever.
2. O Dever e o Imperativo Categórico
Kant define o imperativo categórico como o
princípio que guia toda ação moral válida:
"Age apenas segundo uma máxima tal que possas
ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal".
No texto: “...abraçar os princípios que seu
martírio personifica: a inabalável fidelidade aos seus compromissos, o espírito
de sacrifício em prol do ideal e a irrestrita dedicação ao cumprimento do dever”.
Análise
kantiana
Essa “irrestrita dedicação ao dever” ecoa diretamente a ideia de agir por
dever, independentemente das consequências. Para Kant, uma ação tem valor moral
quando feita por respeito à lei moral, e não por inclinação. Assim, o Mestre
Secreto, ao agir motivado por fidelidade e justiça, se aproxima da imagem do
homem moral kantiano, que subordina seus desejos à razão e à lei moral.
3. O Juízo da Consciência e o Olho que Tudo Vê
O “Olho que Tudo Vê” é interpretado por Pike
como consciência vigilante – o juízo interno que examina pensamentos e ações.
No texto: “...a mais rigorosa avaliação deve emanar do
próprio indivíduo”.
Análise kantiana
Para Kant, o tribunal da consciência é a instância da razão prática em ação. É
ela que julga se estamos agindo de acordo com o imperativo categórico. A noção
de que a avaliação moral é interna, e não externa, é um ponto de consonância
com Kant. O “Olho” como consciência representa, portanto, a razão moral
autônoma e vigilante.
4. Acolhida e Dignidade Humana
No final do texto, há uma bela exortação à
acolhida concreta do outro, sem necessidade de fundamentação filosófica. Um
chamado à humildade, ao amor fraterno e à escuta compassiva.
No texto: “...com a absoluta consciência de que não é o dono
da verdade [...] O ritual é um valioso sinal no caminho, não o próprio caminho
da Paz e do Amor”.
Análise kantiana
Aqui há um diálogo implícito com um dos pilares da ética kantiana: a ideia de
que todo ser humano deve ser tratado como um fim em si mesmo, nunca apenas como
um meio. Acolher o outro, escutá-lo, reconhecer sua fragilidade e dignidade são
expressões práticas desse respeito. Ainda que o texto renuncie à “fundamentação
filosófica”, o conteúdo é profundamente kantiano: agir moralmente é reconhecer
no outro a mesma dignidade racional que reconheço em mim.
5. O Silêncio e a Sabedoria
No texto: “O silêncio [...] é elevado à condição de suprema
expressão da sabedoria adquirida”.
Análise kantiana
Para Kant, sabedoria não é mero acúmulo de conhecimento (isso seria o uso
teórico da razão), mas sim a capacidade de agir bem, com base na razão prática.
O silêncio aqui pode ser entendido como a suspensão da vaidade e da arrogância
do saber, abrindo espaço para o juízo moral ponderado – o que é plenamente
compatível com a postura do sujeito moral kantiano, que age com base na
reflexão e não na paixão.
Conclusão Kantiana
O texto analisado, embora envolto na linguagem
simbólica e esotérica da Maçonaria, apresenta muitos elementos que,
reinterpretados filosoficamente, dialogam com a ética de Kant:
A centralidade do dever
moral;
O valor da autonomia
da razão;
A noção de consciência
como juíza interna;
O respeito à dignidade
do outro;
E o chamado à humildade
e autenticidade, em oposição à vaidade do saber.
No fim das contas, como diria Kant, “o céu estrelado
acima de mim e a lei moral dentro de mim” continuam a ser os dois pilares que
sustentam a elevação humana. E neste texto, ambos estão presentes: o sagrado lá
fora e o sagrado aqui dentro.
III. Grau 4 – Mestre Secreto - análise do grau na visão de Gilles Deleuze
Fazer uma análise do texto sob a ótica de Gilles
Deleuze é entrar em um território filosófico que desafia estruturas fixas,
valores universais e formas hierárquicas de pensamento. Deleuze é o pensador
das multiplicidades, dos fluxos, das linhas de fuga. Sua filosofia rompe com as
essências e abraça os processos, a criação e a diferença. A maçonaria,
especialmente neste texto baseado em Albert Pike, parece construir um
edifício simbólico sólido, moralizante, fundado na interioridade, no segredo e
na verticalidade. Vamos ver como Deleuze atravessaria essa arquitetura.
1. O Grau 4 como Verticalidade da Alma
No texto: “... este
grau nos convoca à intrincada obra da construção interior – a elevação do
Templo espiritual que reside em cada Irmão”.
Para Deleuze, essa "elevação" é uma
metáfora clássica do pensamento platônico, uma tentativa de ascender a
uma verdade ideal. Ele provavelmente veria com suspeita esse movimento de
interiorização vertical, pois representa um regime de subjetivação que
aprisiona o pensamento numa estrutura fixa: o eu verdadeiro, o templo interior,
o caminho moral.
Deleuze preferiria pensar em movimentos
horizontais, rizomáticos, onde não há centro nem profundidade essencial,
mas linhas que se cruzam, se desdobram, se conectam de modos sempre novos.
Em vez de templo, ele falaria de máquinas desejantes e territorializações
e desterritorializações.
Ao invés de uma estrutura linear ou
hierárquica, o rizoma representa uma
rede de conexões que se ramificam em todas as direções, sem um ponto de partida
ou chegada.
Pode-se dizer que “o que define precisamente
as máquinas desejantes é o seu
poder de conexão ao infinito em todos os sentidos e em todas as direções”.
“Não é o templo
interior que liberta, mas a fuga do templo. O verdadeiro iniciado não sobe, mas
escapa”.
2. O Olho que Tudo Vê e o Regime de Visibilidade
No texto: “ ...o Olho transcende a mera percepção visual,
erigindo-se como consciência vigilante... juízo inexorável... ”
Esse símbolo, tão caro à maçonaria,
representa para Deleuze um mecanismo de controle, uma continuidade do
que ele e Foucault chamaram de sociedades disciplinares. O Olho,
enquanto figura da vigilância e da consciência moral, integra o sujeito a um diagrama
de poder que o captura pela interiorização das normas.
Para Deleuze, o mais interessante seria
pensar como escapar desse olhar, como interromper o circuito da culpa,
da vigilância, da retidão. Não se trata de aprofundar a consciência, mas de desfazer
o sujeito, abrir fissuras, multiplicar devires.
“O Olho que Tudo Vê
não vê as linhas de fuga. É nelas que o pensamento se move”.
3. A Chave e o Saber como Poder
No texto: “A chave dos mistérios é confiada àqueles que
demonstram estar preparados...”
Aqui Deleuze reconheceria a lógica de
exclusão própria dos sistemas iniciáticos: o saber como posse, como
segredo, como poder reservado a poucos.
Mas para Deleuze, o conhecimento não é algo
que se guarda como um cofre — é algo que se produz, que circula, que
acontece nas margens, nos devires minoritários, nas experiências
que escapam ao domínio do saber institucionalizado.
“A chave que abre os
mistérios também fecha as multiplicidades. Abandona a chave, entra pelo fluxo”.
4. Virtudes Universais: Justiça, Verdade, Equidade
No texto: “...três
fulgurantes virtudes: Justiça, Equidade e Verdade”.
Virtudes universais como essas são, para
Deleuze, formas abstratas que impõem um modelo fixo ao real. São
categorias transcendentais que capturam a diferença e a transformam em
identidade.
Em vez disso, Deleuze propõe uma ética da
imanência: nada é bom ou mau em si, tudo depende do que algo pode fazer,
do que produz de vida, do que intensifica ou reprime a
potência de existir.
“A justiça
verdadeira não é um ideal: é o que acontece quando forças se combinam sem serem
submetidas”.
5. O Silêncio como Sabedoria
No texto: “O silêncio... é a suprema expressão da sabedoria
adquirida”.
Este silêncio — quase sagrado — pode parecer
a Deleuze um gesto de captura pela interioridade, uma forma de
aprisionar a experiência numa linguagem do recolhimento.
Mas Deleuze não pensa em silêncio como
ausência de ruído, e sim como intervalo criativo. O que interessa a ele
é o que passa entre as palavras, entre os corpos, o que não
pode ser nomeado — mas se expressa em um devir, como no grito do
animal, na voz do delírio, na música que escapa da partitura.
“O silêncio do
templo não é o silêncio do devir. A sabedoria não se cala: ela estilhaça”.
6. Acolhida e Fraternidade: A Micropolítica da Maçonaria
No texto: “Acolhida concreta... cheia de irmãos mestres
fragmentados...”
Este talvez seja o trecho mais interessante
para Deleuze. Aqui, o texto escapa do modelo piramidal, da verdade revelada e
da iniciação por méritos. Ele abre espaço para o micropolítico, para o
cuidado com o outro sem idealizações, para uma ética do comum, da
escuta, da fragilidade partilhada.
Nesse gesto de acolhida, há algo do que
Deleuze chama de micropolítica do desejo — pequenas revoluções
silenciosas que transformam realidades, não pela imposição de um ideal, mas
pela potência do encontro.
“Acolher é criar um
espaço de multiplicidade. Onde há escuta, há devir”.
7. O Ritual como Sinal, Não Caminho
No texto: “O ritual é um valioso sinal no caminho, não o
próprio caminho...”
Essa ideia de que o ritual é sinal, não
fim, pode se alinhar ao pensamento de Deleuze se entendida não como
abandono da forma, mas como experiência do fora.
Para ele, os signos não apontam para verdades
escondidas, mas são máquinas de produzir sentido, acontecimentos,
dobras do real. O ritual, portanto, só tem valor se for uma máquina
de intensidades, se criar novos modos de sentir, pensar e agir — não se
apenas reproduzir.
“Ritual não é forma
vazia: é campo de forças. O caminho não é fixo. Ele acontece”.
Conclusão Deleuziana: do Mestre Secreto ao
Devir Maçom
Para Deleuze, o texto baseado no Mestre Pike
ainda está preso a formas transcendentais: o Eu, o Templo, o Dever, o
Olho, a Verdade. Ele propõe, em contraste, uma maçonaria do devir, da diferença,
da experiência criadora.
O verdadeiro iniciado deleuziano não busca
a essência do ser, mas as potências do vir-a-ser. Ele não sobe
degraus rumo à verdade; ele escava linhas de fuga, conecta
singularidades, experimenta o real como campo de intensidades.
“Não procure o templo. Construa máquinas. Crie devires. A iniciação
está em atravessar fluxos, não em guardá-los”.
IV. Grau 4 – Mestre Secreto - análise do texto na visão de Pierre Bourdieu
Analisar o texto proposto a partir da visão
do sociólogo Pierre Bourdieu é olhar para os mecanismos sociais e simbólicos
que atuam dentro da maçonaria, especialmente no modo como ela estrutura seus
graus e rituais. Vamos, então, dividir essa análise em cinco partes, usando os
principais conceitos do autor.
1. A Maçonaria como um campo social
Para Bourdieu, a sociedade é formada por
vários campos sociais — como o religioso, o político, o acadêmico — e cada um
deles tem suas próprias regras, valores e formas de conquistar prestígio. A
maçonaria também é um campo, com símbolos, rituais e graus que indicam o status
do irmão dentro da instituição.
No texto: “O Grau de Mestre Secreto assinala a transição para
a senda filosófica do Rito Escocês Antigo e Aceito...”
Essa frase mostra que quem alcança esse grau ganha
uma nova posição de prestígio simbólico. Termos como “guardião do sagrado” ou
“investidura” reforçam isso: indicam que esse irmão passa a ter um papel
especial, respeitado e diferenciado.
2. Conhecimento como forma de distinção
Bourdieu fala que o conhecimento pode ser uma
forma de poder. Ou seja, quem domina uma linguagem mais filosófica, religiosa
ou simbólica pode se destacar — e, ao mesmo tempo, excluir quem não domina esse
saber.
No texto: “O Mestre Secreto é aquele que já escutou, no
silêncio do Templo, a voz do seu verdadeiro Eu”.
Essa fala mostra que só alguns são capazes de
atingir esse nível de compreensão. É uma forma de dizer que poucos estão
"preparados" e, por isso, são vistos como mais elevados. A linguagem
reforça essa diferença.
3. A formação de um comportamento esperado (habitus)
Outro conceito importante de Bourdieu é o habitus:
um conjunto de atitudes, valores e modos de agir que aprendemos ao longo da
vida. O texto mostra como o grau forma o habitus do Mestre Secreto: alguém
discreto, justo, verdadeiro e fiel.
No texto:
“O iniciado internaliza a
premissa de que nenhuma ação ou pensamento escapa ao escrutínio da Verdade...”
Isso mostra como o irmão aprende a agir de
determinada maneira, seguindo um modelo ideal de conduta. Embora apresentado
como um valor espiritual, esse comportamento esperado também funciona como um
controle social, pois define como um Mestre deve ser.
4. Quando o saber exclui: a violência simbólica
Bourdieu usa o termo violência simbólica para
falar sobre situações em que uma forma de poder se impõe sem parecer violenta —
por exemplo, quando uma linguagem difícil afasta ou exclui pessoas que não
estão familiarizadas com ela.
No texto: “A chave dos mistérios é confiada unicamente
àqueles que demonstram estar preparados...”
Esse tipo de fala reforça a ideia de que só
alguns merecem saber certos segredos. Isso pode acabar criando desigualdade
dentro da própria irmandade, mesmo quando todos são chamados de
"irmãos".
5. Um momento de ruptura: a crítica interna
Mas o texto traz também um momento especial.
Ao final, o autor muda o tom e propõe acolhimento, simplicidade e humildade.
Ele reconhece que muitos irmãos enfrentam dificuldades e que nem tudo se resume
ao ritual ou ao saber filosófico.
No texto: “Cheia de irmãos mestres fragmentados, com
dificuldades de ouvir, de ler e de falar...”
“O ritual é um valioso sinal
no caminho, não o próprio caminho da Paz e do Amor”.
Essa parte do texto quebra a lógica de
distinção que vinha sendo construída. O autor propõe que, acima dos graus e dos
conhecimentos, o mais importante é acolher o outro com mansidão e fraternidade.
Isso, segundo Bourdieu, é uma forma de resistência simbólica — um jeito de
questionar as regras do campo sem sair dele.
Conclusão: entre distinção e acolhimento
Lendo o texto com os olhos de Pierre
Bourdieu, podemos ver que ele começa como um reforço das hierarquias simbólicas
da maçonaria, valorizando o saber, o ritual e o prestígio do Grau 4. Mas ao
final, abre espaço para uma reflexão mais humana e igualitária.
A maçonaria, como campo social,
funciona com:
Capital simbólico (prestígio ligado
aos graus e rituais);
Habitus (comportamentos e
valores esperados);
Violência simbólica (exclusão através
da linguagem e do saber);
Hierarquias sutis, sustentadas por
discursos espirituais.
Mas o apelo final à acolhida, humildade e
compaixão revela uma possibilidade: colocar o amor fraterno acima da distinção
simbólica. E isso pode ser um novo caminho dentro da própria maçonaria.
V. Grau 4 – Mestre Secreto - análise do texto na visão de Michel Foucault
Estilo e Linguagem
do Grau 4
O Grau 4 marca um
momento de transição: do trabalho exterior para o interior. O estilo do texto é
solene, profundo e simbólico, como convém a esse novo estágio do caminho
maçônico. Mas não é apenas um estilo "elevado": é também um chamado à
responsabilidade ética e ao silêncio interior.
Albert Pike escreve
com palavras densas, falando de “guardião do sagrado”, “arquétipos da Verdade e
da Justiça” e do “silêncio como sabedoria”. Foucault, por outro lado, nos
convida a investigar: de onde vêm essas palavras? O que elas nos pedem? E como
elas nos moldam?
O Olho que Tudo Vê: Vigilância ou Autonomia?
Pike vê o Olho como
a consciência superior que nos observa e nos julga. Para Foucault, isso remete
a uma ideia muito importante: o conceito de vigilância interna.
Foucault estudou
como, ao longo da história, as instituições criaram formas de nos fazer “vigiar
a nós mesmos”. Ele chamou isso de poder disciplinar. Ou seja: não é mais
necessário que alguém nos vigie — nós aprendemos a vigiar nossos próprios
pensamentos e comportamentos.
Isso é bom ou ruim?
Depende.
Na Maçonaria, essa
vigilância tem um sentido nobre: aperfeiçoamento pessoal, busca da verdade,
fidelidade à consciência. Mas Foucault nos alerta: é preciso cuidado para que
essa vigilância não vire culpa, medo ou um perfeccionismo que sufoca.
O verdadeiro Mestre
Secreto não é escravo do olhar de fora, mas livre no olhar de dentro.
A Chave: Poder e Conhecimento
A chave é um
símbolo do acesso ao conhecimento oculto. Mas, como Foucault nos ensina, todo
conhecimento carrega uma relação de poder.
Ou seja: quando
temos acesso a um saber, ganhamos uma forma de poder. Mas também uma
responsabilidade. Foucault pergunta: Quem controla o saber? Quem decide quem pode saber?
Na Maçonaria, a
chave não deve trancar as portas para os outros — ela deve abrir caminhos de
compreensão, acolhimento e sabedoria partilhada.
As Luzes: Justiça, Equidade e Verdade como
Práticas
Albert Pike fala
das luzes do Grau 4 como virtudes indispensáveis. Foucault nos convida a
entender essas virtudes não como conceitos fixos, mas como práticas que devem
ser renovadas e vividas no dia a dia.
Justiça e verdade,
para Foucault, não são ideias eternas e prontas — são construídas
historicamente, com base nas relações humanas, nos contextos e nas disputas.
Assim, o Mestre Secreto é aquele que:
Age com justiça, mas sabe ouvir antes de julgar;
Busca a verdade, mas reconhece que sua visão é limitada;
Trata todos com
equidade,
mas sabe que cada um carrega feridas e histórias diferentes.
O Silêncio como Ato
de Liberdade
Neste grau, o
silêncio é exaltado como símbolo de sabedoria.
Foucault diria que
o silêncio também é uma forma de resistência. Silenciar pode ser se recusar a
repetir o discurso dominante. Pode ser o espaço onde nasce o verdadeiro
pensamento.
O silêncio do
Mestre Secreto, então, não é vazio. Ele é cheio de escuta, de reflexão e de
cuidado com a palavra.
Justiça como Caminho
Ético
Pike diz que o
Mestre Secreto é aquele que se dedica à Justiça como uma expressão do Divino.
Foucault, embora não fale em termos religiosos, também entende que viver
eticamente é construir-se a si mesmo como um ser responsável, consciente e
atento ao outro.
Para ambos, o mais importante não é decorar rituais, mas viver uma
transformação real e profunda.
Acolhida: A Ética do Cuidado com o Outro
O texto termina com
um chamado emocionante: acolher o outro, mesmo quando ele é fragmentado,
imperfeito, sofrido. Aqui, a filosofia de Foucault se encontra com a sabedoria
do Evangelho.
Foucault fala muito
sobre o “cuidado de si” – mas ele também diz que cuidar de si é, ao mesmo
tempo, cuidar do outro. Acolher é uma forma de sabedoria que não se ensina em
palavras, mas se vive nos gestos.
Quando você acolhe
um irmão que não lê bem, que não fala bonito, mas que tem o coração sincero,
você vive o mais profundo ensinamento deste grau.
Por enquanto
Pacífico e Amado Irmão,
O Grau 4 é uma
convocação silenciosa e poderosa. E Michel Foucault nos ajuda a lembrar que:
O verdadeiro segredo está dentro de nós;
A verdadeira chave abre portas de consciência;
A verdadeira
perfeição
está na humildade de quem acolhe e escuta;
A verdadeira
sabedoria
está em viver com liberdade, ética e compaixão.
Que sigamos,
juntos, guardiões da justiça, servos da verdade e construtores de um Templo
onde caibam todos — mesmo os mais cansados, os mais frágeis, os mais humanos.
(*) Grau 4 – Mestre Secreto, recomendo a leitura para melhor entender o
presente trabalho. Veja no link: |
https://pazeamorloja0225.blogspot.com/2025/04/inspetoria-liturgica-do-estado-da_15.html |
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