Grau 10 - Cavaleiro Eleito dos Quinze

Inspetoria Litúrgica do Estado da Paraíba – 1ª Região

0225 - LOJA DE PERFEIÇÃO PAZ E AMOR

FUNDADA EM 11 DE ABRIL DE 1972

CAMPINA GRANDE -  PARAÍBA

 

Grau 10 - Cavaleiro Eleito dos Quinze

 

Por Hiran de Melo

 

Pacíficos e Amados Irmãos,

 

A semelhanças dos graus anteriores trataremos este Grau em três etapas, ou partes. 

 

PRIMEIRA PARTE

 

Testemunho de um Iniciado

 

Conta a tradição que o Rei Davi, impedido de erguer o Templo por ter vivido entre guerras, confiou essa missão a seu filho Salomão — homem de paz e sabedoria. A ele coube concluir a obra mais sagrada de Israel: um templo em homenagem ao Senhor.

 

Enquanto os obreiros levantavam as colunas do Templo, três irmãos — os "Ju" — cometeram um crime brutal. Nove cavaleiros, entre os quais eu estava, foram enviados para capturá-los. Mas, tomado pela raiva e impaciência, fui contra a ordem de Salomão e executei o mais velho deles. Quebrei a Lei que deveria proteger até mesmo os culpados.

 

Minha ação manchou a missão. Mas, graças à solidariedade dos irmãos e à misericórdia do Rei, nossas vidas foram poupadas. A condição era clara: nunca esquecer que a justiça começa pelo respeito à própria justiça.

 

Algum tempo depois, Salomão designou uma nova comitiva, agora com quinze cavaleiros — e mais uma vez eu fui incluído. Nossa tarefa era encontrar os dois irmãos restantes e trazê-los vivos.

 

A jornada foi longa, cheia de riscos e provações. Mas dessa vez agimos com sabedoria. Encontramos os fugitivos e os conduzimos de volta, inteiros, para que fossem julgados segundo a Lei.

 

Essa vivência cravou em mim a lição do Grau 9: fora da Justiça, só há desordem. Só há caos. E o Grau 10 veio aprofundar essa ideia: agir com equilíbrio, mesmo diante do erro alheio, é o que define um verdadeiro Cavaleiro da Luz.

 

A saga dos “Ju” é mais do que um relato simbólico — ela ecoa em dilemas reais. Fala da tensão entre justiça e vingança, entre soberania e diplomacia, entre o desejo de punir e a obrigação de ouvir. Fala dos limites entre nações, mas também dos limites internos entre a razão e o impulso.

 

Apesar de os manuais do Grau 10 muitas vezes focarem nos discursos e conceitos, o que esse grau realmente propõe é um despertar espiritual. Ele nos chama à transformação — não apenas social, mas interior.

 

A Maçonaria, ao falar de fronteiras, não se limita às que dividem países. Ela fala, sobretudo, das barreiras invisíveis que erguemos entre nós e o outro. O processo iniciático é um convite à escuta, à empatia, à humildade. A verdadeira diplomacia, nesse contexto, é o exercício ativo da fraternidade.

 

Às vezes, para combater nossos próprios vícios, somos levados a visitar territórios profundos da alma. E ali, onde habitam nossas sombras, não se entra à força. É preciso negociar com elas. Com paciência. Com escuta. Com delicadeza.

 

Sem essa diplomacia interior, corremos o risco de causar ainda mais dor. Um vício reprimido à força pode se transformar em outro, ainda mais nocivo. Como um remédio mal dosado: cura um mal, mas envenena o corpo.

 

Eliminar um vício exige mais do que força de vontade. Exige consciência. É preciso entender suas raízes — os traumas, as faltas, os vazios — para que a mudança seja verdadeira. Curar-se é como cuidar de um jardim: se você arranca uma erva daninha sem cuidado, pode destruir também o que havia de bom em volta.

 

O Grau 10 nos lembra que Justiça só floresce onde há equilíbrio, compaixão e domínio de si mesmo. A vingança, mesmo quando se veste de justiça, é traiçoeira. Só caminhando dentro da Lei — e com o coração voltado à fraternidade — podemos nos considerar Cavaleiros da Luz.

 

Este testemunho não oferece respostas. Ele é um convite. Cada parágrafo pode ser lido como uma semente — e o que vai brotar depende do solo onde ela cair: seu coração pensante, sua alma sensível, sua consciência em vigília.

 

Segunda Parte

 

 

Grau 10 - Cavaleiro Eleito dos Quinze:  Segundo a Visão de Albert Pike

 

Pacíficos e Amados Irmãos,

 

O Grau 10 do Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA) é conhecido como "Cavaleiro Eleito dos Quinze", ou simplesmente "Elú dos Quinze". Segundo Albert Pike, um dos principais estudiosos do Rito no século XIX, esse grau traz ensinamentos simbólicos, morais e filosóficos muito importantes. No presente momento procuramos registrar as interpretações do Mestre Pike, sem apresentar nossa posição crítica, uma vez que esse texto se destina a abrir o diálogo e provocar reflexões sobre o Grau 10, no período de instrução da Loja.

 

Em seu livro "Morals and Dogma", Mestre Pike apresenta o Grau 10 como parte de uma sequência chamada Trilogia dos Elús (graus 9 a 11). Nela, o foco está na justiça, na retidão e na luta contra o mal, principalmente o mal dentro de nós mesmos.

 

História do Grau

 

O Grau 10 relata a busca pelos assassinos de Hiram Abiff que ainda não tinham sido capturados. O objetivo é encontrar, julgar e puni-los. Esse enredo representa a determinação na busca pela justiça, mesmo quando ela exige esforço e coragem.

 

Simbolismo segundo Pike

 

Para Albert Pike, a história vai além da vingança. Ela é cheia de lições simbólicas:

 

A perseguição aos culpados representa a luta do iniciado contra suas próprias fraquezas, como a ignorância, a mentira e o egoísmo.

 

O número 15 representa os que foram escolhidos para agir com sabedoria e justiça.

 

A espada representa a coragem, e a capa verde, a esperança — dois pilares importantes para quem busca a verdade.

 

Ensinamentos Filosóficos

 

Mestre Pike defende que esse grau é uma reflexão sobre como agir com justiça:

 

A vingança feita com raiva só destrói. Mas quando é guiada pela razão e pelo equilíbrio, ela se transforma em justiça e reparação.

 

O verdadeiro iniciado é aquele que se torna um instrumento da Justiça Divina, agindo com moderação e caráter.

 

Este grau também alerta contra a hipocrisia e o abuso de poder, chamando cada maçom a melhorar a si mesmo antes de julgar os outros.

 

Os deveres deste Grau são: ser sincero, honesto, dedicado e verdadeiro; agir com honra e integridade; ser inimigo da injustiça e da maldade; e defender o povo contra a tirania e o erro”. — Albert Pike

 

Por enquanto

 

Para Albert Pike, o Grau 10 não é apenas sobre punir os maus, mas sobre aprender a julgar com sabedoria, a agir com justiça e a crescer como ser humano. Ele convida o maçom a olhar para dentro, vencer seus próprios defeitos e trabalhar por uma sociedade mais justa e verdadeira.

 

TERCEIRA PARTE

 

Grau 10 - Cavaleiro Eleito dos Quinze: Leituras Filosóficas

 

A análise filosófica do Grau 10 – Cavaleiro Eleito dos Quinze, segundo a visão de Albert Pike, revela um estágio avançado do itinerário iniciático, no qual a justiça deixa de ser apenas uma ideia abstrata ou uma reação instintiva, para tornar-se uma virtude ética refinada, forjada na tensão entre ação e contemplação, coragem e sabedoria, juízo e autodomínio. A leitura desse grau à luz de Kant, Nietzsche, e Heidegger, sob a lente hermenêutica de Oswaldo Giacóia Jr., desvela um horizonte mais profundo: o iniciado é convocado não a punir, mas a habitar o juízo como responsabilidade trágica e ética, antes de ser moralista ou vingador.

 

1. A Ética da Justiça: Kant e o Dever de Julgar com Retidão

 

O ensinamento central do Grau 10 — “julgar com sabedoria, agir com justiça e crescer como ser humano” — remete de forma velada à ética kantiana, sobretudo à ideia de que a justiça autêntica jamais se baseia na emoção ou no ressentimento, mas na razão prática como expressão do dever moral.

 

Para Kant, o juízo moral deve ser universalizável: só é justo o que pode ser erigido em princípio para todos. A justiça que brota da raiva não é moral; é heterônoma, ou seja, submetida às paixões e contingências. O Elú dos Quinze é, nesse sentido, um executor consciente do dever, que age por princípio, e não por desejo de retribuição.

 

A espada, símbolo deste grau, não representa o poder destrutivo, mas a retidão do agir conforme à Lei moral interior. O iniciado não é carrasco — é juiz de si mesmo, e só por isso pode julgar os outros.

 

A advertência contra a hipocrisia e o abuso de poder também ressoa com Kant: a dignidade do ser humano está em ser fim em si mesmo, jamais um meio. Punir sem discernimento é instrumentalizar o outro — e a Maçonaria, como doutrina da elevação moral, deve recusar isso.

 

2. A Crítica da Vingança: Nietzsche e a Superação do Ressentimento

 

Se Kant nos oferece a estrutura ética do dever, Nietzsche fornece a crítica corrosiva à tentação da vingança disfarçada de moralidade. Em Genealogia da Moral, Nietzsche denuncia como a moral do ressentimento transforma fraqueza em virtude, e como muitos dos que clamam por justiça, na verdade, apenas desejam vingança sublimada.

 

A advertência de Pike — “A vingança feita com raiva só destrói” — pode ser relida como um eco nietzschiano. O Elú dos Quinze deve elevar-se acima da reação instintiva. Ele não se justifica pelo ódio ao outro, mas pela fidelidade à verdade, pela vontade de construir, não de destruir.

 

O verdadeiro iniciado, então, não é aquele que "reage", mas aquele que cria um valor mais alto do que o da simples retribuição. Ele abandona o espírito de rebanho e ousa agir segundo sua consciência elevada, na linha da transvaloração dos valores.

 

O número 15, símbolo de sabedoria e discernimento, pode ser interpretado como o círculo restrito dos que não se deixam governar pelo ressentimento, mas pela coragem de ser justos mesmo quando seria mais fácil apenas punir.

 

3. A Existência como Julgamento: Heidegger e o Fardo do Juízo

 

Mais do que julgar o outro, o Grau 10 convida o iniciado a se confrontar com o próprio julgamento de si mesmo. Em termos heideggeriano, isso significa reconhecer que somos seres lançados no mundo (Geworfenheit), sempre atravessados pela falibilidade, pela angústia e pela finitude. Nenhuma decisão parte de um ponto neutro ou puro — todo julgamento vem de dentro da existência, marcado pela nossa história, nossos limites e pela forma como habitamos o tempo.

 

Quando Albert Pike alerta que o maçom deve “melhorar a si mesmo antes de julgar os outros”, ele aponta para algo muito próximo do que Heidegger chama de autenticidade: a necessidade de escutar a si mesmo antes de agir sobre o outro. Antes de aplicar a lei com severidade, o iniciado deve passar pela escuta silenciosa da própria consciência — aquela voz interior que não grita, mas exige verdade.

 

Julgar, nesse sentido, não é simplesmente aplicar uma norma: é sustentar o peso do ser, assumir a responsabilidade de ver e agir a partir daquilo que se revela — tanto em si quanto no outro. A justiça iniciática não é fria nem mecânica: é uma tarefa existencial.

 

A “capa verde”, então, não é apenas um enfeite ritual. Ela simboliza esperança — não uma esperança ingênua, mas aquela que reconhece que, mesmo nos atos mais duros de justiça, ainda é possível que haja transformação, reconciliação, renascimento. O propósito da justiça não é punir, mas iluminar o que está escondido, permitir que o ser possa, enfim, florescer.

 

4. A Hermenêutica da Justiça: Giacóia e o Juízo como Abertura de Sentido

 

Por fim, com Giacóia, podemos compreender que a leitura dos graus iniciáticos exige um movimento hermenêutico, onde o símbolo não é um enigma a ser resolvido, mas um convite ao desvelamento do ser. O julgamento do Grau 10 não é a aplicação mecânica da lei, mas um gesto de interpretação, um ato de abertura para o que se mostra — tanto no outro quanto em si mesmo.

 

A espada do Elú dos Quinze não corta apenas o corpo do transgressor — ela penetra o véu da aparência, revelando o que está oculto nas ações e intenções humanas.

 

Assim, o julgamento maçônico é um ato filosófico: um mergulho na ambiguidade da existência, onde o erro não é apenas violação da lei, mas sintoma de uma queda do ser, e a justiça é o esforço por restaurar a ordem da verdade.

 

Justiça como Caminho Iniciático

 

O Grau 10, à luz de Kant, Nietzsche e Heidegger, revela-se não como um rito de punição, mas como um rito de responsabilidade ética profunda. O iniciado não vinga — ele reconstrói. Não pune — ele interpreta. Não exclui — ele purifica. Ele se torna, como disse Pike, instrumento da Justiça Divina, mas sem esquecer que tal instrumento é sempre humano, falível, trêmulo diante do peso do que julga.

 

Ser Elú dos Quinze é aceitar que a verdadeira espada da justiça é a própria consciência desperta, e que todo julgamento autêntico é precedido por um gesto de silêncio interior e humildade diante do ser.

 

Essa é a verdadeira lição iniciática: não há justiça sem autoconhecimento; não há poder legítimo sem ética; e não há Templo que se sustente, se não for construído sobre a pedra da verdade e da responsabilidade.

 

Hiran de Melo – Presidente da Excelsa Loja de Perfeição “Paz e Amor”, corpo filosófico da Inspetoria Litúrgica do Estado da Paraíba, Primeira Região, do Supremo Conselho do Grau 33 do REAA da Maçonaria para a República Federativa do Brasil.

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