Inspetoria Litúrgica do Estado da Paraíba – 1ª Região

0225 - LOJA DE PERFEIÇÃO PAZ E AMOR

FUNDADA EM 11 DE ABRIL DE 1972

CAMPINA GRANDE -  PARAÍBA

Um Chamado ao Coração

 

Por Hiran de Melo

 

PRIMEIRA PARTE

 

Testemunho – de um Iniciado

 

Meus Irmãos,

 

Com o coração ainda em chamas pela experiência que vivi, venho, por meio desta prancha, compartilhar os ecos do que me foi revelado ao adentrar o Grau de Mestre Perfeito. O que para muitos é apenas um ritual solene, para mim foi uma verdadeira travessia interior. Senti-me transportado para além dos limites do tempo, tocado pela memória viva de nosso Mestre Hiram Abiff e envolvido por uma atmosfera de profundo silêncio espiritual.

 

O Grau de Mestre Perfeito nos apresenta não apenas uma cerimônia, mas uma convocação à Alma. Nele, aprendi que o tempo é breve e a vida, fugaz — mas que a Virtude é eterna. Compreendi que ser maçom é mais do que conhecer símbolos e rituais; é ser, de fato, uma pedra viva que se burila a cada dia com esforço, coragem e fé.

 

I – Hiram Abiff: O Símbolo que Nos Une

 

Ao reviver as exéquias do Mestre Hiram, senti-me diante do mistério maior da existência: a Morte. Não como fim, mas como passagem; não como perda, mas como convite à reflexão e à elevação. A cada volta ritual que dei, vendado e conduzido, minha mente se desfez das ilusões do mundo profano. O silêncio e o peso simbólico da Espada, da corda, da túnica branca… tudo conspirava para uma única verdade: estamos aqui de passagem, e o que permanece é o que construímos com retidão e Amor.

 

Hiram não morreu. Ele vive em cada gesto virtuoso, em cada ato de Justiça, em cada Irmão que guarda sua memória com honra. Com ele aprendi que o verdadeiro legado não se mede em bens ou títulos, mas na retidão do caráter e na fidelidade ao dever.

 

II – O Mausoléu em Nove Dias: O Tempo e a Transformação

 

O suntuoso mausoléu erguido em nove dias me ensinou que, mesmo em breves jornadas, podemos deixar marcas profundas. Se o tempo é curto, que nossas ações sejam densas. Se a vida é incerta, que nossa conduta seja firme.

 

A construção daquele túmulo é, na verdade, a construção de nós mesmos. Somos o templo. Somos o canteiro de obras onde o GADU trabalha. E só seremos dignos da Grande Obra se soubermos primeiro vencer a nós mesmos.

 

III – A Sabedoria do Testamento

 

Ao ouvir que, no passado, os candidatos a este Grau precisavam deixar registrada sua última vontade, compreendi a profundidade desse gesto. Não é apenas uma formalidade. É um espelho.

 

Refletir sobre nossa partida é refletir sobre nossa vida. O que deixarei quando me for? Um nome? Uma lembrança? Uma dívida? Uma inspiração? Senti o chamado de uma vida mais consciente, mais justa com os que amo, mais presente com os que dependem de mim.

 

IV – O Círculo e o Quadrado: O Encontro com o Mistério

 

Os símbolos dispostos no Templo são como luzes em meio à noite do espírito. O Círculo — sem princípio nem fim — me remete ao GADU, eterno e absoluto. Já o Quadrado me recorda minha humanidade, limitada, mas capaz de refletir a centelha divina.

 

Ali percebi que somos convidados a unir o Céu e a Terra dentro de nós. A "Quadratura do Círculo", expressão tão abstrata, ganhou vida em meu coração: significa tornar real, aqui e agora, os atributos da Força, da Sabedoria e da Beleza. Significa viver com equilíbrio entre o espírito e a matéria, entre a contemplação e a ação.

 

V – A Procissão: Um Compromisso Solene

 

Ao caminhar em silêncio em torno do esquife de Hiram, senti o peso da responsabilidade que agora carrego como Mestre Perfeito. Cada passo era um voto silencioso de fidelidade. Cada estrofe recitada era uma oração de alma. Cada sinal feito com a mão era um pacto sagrado com a Tradição.

 

Depor sobre o esquife os emblemas — o Esquadro, o Compasso, o Malhete, a Régua, o Avental, a Faixa, a Joia — não foi um gesto simbólico qualquer. Foi um lembrete para nunca desonrar esses instrumentos com atos vis. Aprendi que a honra do Mestre não está em sua posição, mas em sua conduta.

 

VI – A Esperança da Acácia

 

Ao receber o ramo de acácia, símbolo da esperança na imortalidade, uma emoção silenciosa me invadiu. A Morte já não era apenas um fim temido, mas uma etapa natural. A Vida é apenas o início da nossa jornada eterna junto ao GADU.

 

E me comprometi, diante dos Irmãos, dos reis Salomão e Hiram de Tiro, e de mim mesmo: viver de modo que, ao partir, eu possa ser lembrado não pela grandeza de meus feitos, mas pela nobreza do meu caráter.

 

Por enquanto

 

Saí do Templo naquela noite com olhos marejados e espírito leve. Era outro. Não porque tinha recebido mais um grau, mas porque havia reencontrado a mim mesmo.

 

Agora sei que o verdadeiro Mestre Perfeito não é o que sabe, mas o que sente. Não é o que fala, mas o que pratica. E não é o que é exaltado, mas o que serve com humildade, compaixão e Amor.

 

Meus Irmãos, que nunca nos esqueçamos do que vivemos juntos nesta cerimônia sagrada. Que nossas vidas sejam o verdadeiro tributo a Hiram Abiff. Que nossos passos ressoem no mundo como ecos de uma Maçonaria viva, justa e fraterna.

 

Assim seja.

 

SEGUNDA PARTE

 

Na primeira parte do texto “Um Chamado ao Coração” temos um depoimento e uma reflexão sobre o processo de iniciação no Grau de Mestre Perfeito. Para entendê-lo filosoficamente, podemos recorrer ao pensamento de Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo contemporâneo, e à hermenêutica (interpretação filosófica) apresentada por Leandro Karnal, um intelectual brasileiro que traduz ideias complexas de forma acessível.

 

1. O Tempo e a Fragilidade da Vida — A Modernidade Líquida de Bauman

 

Bauman define a modernidade líquida como um tempo em que tudo é passageiro: os relacionamentos, os valores, os compromissos. Nada é sólido. As pessoas têm medo do compromisso, medo de perder tempo, medo de envelhecer. Isso se encaixa diretamente com o que digo ao refletir sobre o tempo e a brevidade da vida:

 

“O tempo é breve e a vida, fugaz — mas a Virtude é eterna”.

 

Essa frase é um antídoto contra a liquidez. Em vez de viver de forma superficial e acelerada, o Mestre Perfeito é chamado a viver com profundidade, virtude e propósito. Em um mundo onde tudo muda rapidamente, ser virtuoso é uma forma de resistência, um ponto firme dentro do caos.

 

2. A Morte como Transformação — Reflexões Existenciais

 

Ao abordar a morte de Hiram Abiff como símbolo e passagem, faço uma crítica ao modo como a sociedade moderna trata a morte: como tabu, como fim absoluto.

 

Bauman dizia que, em nossa época, evitamos pensar na morte porque ela revela que não temos controle. Todavia, a morte é convite à transformação, não ao desespero. É exatamente aí que entra a hermenêutica de Leandro Karnal, que muitas vezes lembra: pensar na morte nos obriga a pensar no sentido da vida.

 

Assim, o maçom é convidado a encarar a morte de frente, não com medo, mas com consciência, usando-a como impulso para viver de forma mais justa, presente e responsável.

 

3. A Construção do Templo Interior — O Sujeito como Obra em Construção

 

Ao afirmar que “somos o templo”, faço um  alinhamento com uma ideia forte tanto em Bauman quanto em Karnal: o ser humano é um projeto inacabado. Não nascemos prontos; estamos sempre nos tornando. Mas, para Bauman, na modernidade líquida, as pessoas querem resultados imediatos e evitam o esforço da construção pessoal.

 

A maçonaria, pelo contrário, propõe uma autoconstrução contínua, como um templo que nunca está pronto. E isso exige autoconhecimento, disciplina e coragem para mudar, valores que se perderam na cultura do imediatismo.

 

4. A Última Vontade — Viver com Consciência Ética

 

Ao refletir sobre a ideia de deixar um testamento simbólico, faço a subjacente indagação: o que deixamos no mundo além do nosso nome? Bauman diria que, numa sociedade consumista, as pessoas medem seu valor por suas posses, não por seus valores. Karnal reforçaria: viver bem é viver de forma que sua morte tenha sentido.

 

Esse trecho chama o maçom a assumir uma postura de ética ativa, onde cada ação tem peso, onde cada palavra tem consequência. Deixar uma “última vontade” é, na verdade, viver com intenção desde agora.

 

5. O Círculo e o Quadrado — A Busca por Equilíbrio

 

O Círculo (divino) e o Quadrado (humano) são símbolos que mostram a tensão entre o eterno e o passageiro, o ideal e o real. Para Bauman, o grande desafio da vida moderna é lidar com essa tensão — queremos segurança, mas também liberdade; queremos sentido, mas temos medo do compromisso que isso exige.

 

Unir o Círculo e o Quadrado dentro de si é o que Karnal chamaria de vivência ética equilibrada: ser espiritual sem se afastar da realidade, ser prático sem perder a elevação. O Mestre Perfeito busca essa unidade, mesmo que imperfeita.

 

6. A Procissão e a Responsabilidade Moral

 

O ato de caminhar ao redor do esquife, em silêncio, mostra a importância do ritual como consciência. Para Bauman, muitos rituais modernos perderam o significado — são só formalidades. Mas, aqui, o ritual é vivência espiritual autêntica, carregada de sentido.

 

Cada instrumento deposto é um símbolo de valores que o maçom deve incorporar em sua vida. Karnal lembraria que a moral não está nas palavras bonitas, mas nos atos cotidianos. Ser Mestre é viver o que se aprende.

 

7. A Esperança na Imortalidade — A Ética da Memória

 

A Acácia, símbolo da imortalidade, convida à esperança de deixar uma marca no mundo. Não uma marca de vaidade ou poder, mas de caráter. Na Primeira Parte deste texto, faço lembrar que a verdadeira eternidade não está em viver para sempre, mas em ser lembrado pela nobreza da conduta.

 

Bauman afirma que, numa era onde tudo é esquecido rapidamente, ser lembrado por seus valores é um ato revolucionário. E Karnal completaria: a morte não apaga o que fomos, se nossa vida foi coerente com a ética que defendemos.

 

Por enquanto

 

Na Primeira Parte do texto “Um Chamado ao Coração” apresento, mais que um relato ritualístico, faço um manifesto contra a superficialidade moderna. Em tempos líquidos, como dizia Bauman, ser um Mestre Perfeito é ser alguém sólido, comprometido com a ética, com a virtude e com a verdade interior.

 

Como bem interpreta Leandro Karnal, a Maçonaria, nesse grau, não quer apenas homens instruídos, mas homens despertos, conscientes, íntegros.

 

A verdadeira elevação maçônica não é subir de grau, mas descer até as profundezas de si mesmo e transformar-se.

 

TERCEIRA PARTE

 

O chamado ao Ser

 

O texto “Um Chamado ao Coração”, PRIMEIRA PARTE, pode ser compreendido como uma jornada de autoconhecimento e de reconexão com o sentido profundo da existência. Para isso, vamos interpretar essa reflexão a partir do filósofo alemão Martin Heidegger, guiados pela leitura e explicações do professor Oswaldo Giacóia Jr., que traduziu Heidegger de forma clara para o público brasileiro.

 

Heidegger falava que o ser humano está muitas vezes distraído da própria existência, vivendo de maneira superficial, no que ele chamou de “cotidiano inautêntico”. O que o texto propõe — e que vamos explorar — é justamente o oposto: um retorno ao essencial, àquilo que realmente importa. Uma travessia espiritual que nos tira do automático e nos coloca diante do mistério do Ser.

 

1. A Iniciação como despertar para o Ser

 

Para Heidegger, nossa existência (que ele chama de Dasein, ou “ser-aí”) está imersa no tempo — mas não o tempo do relógio, e sim o tempo existencial, aquele que nos lembra que somos finitos e precisamos dar sentido à nossa vida.

 

“Senti-me transportado para além dos limites do tempo, tocado pela memória viva de nosso Mestre Hiram Abiff…”

 

Giacóia explica que a experiência da iniciação pode ser lida como um despertar — um “chamado ao coração” é, na verdade, um chamado ao Ser. O maçom, ao ser iniciado no grau de Mestre Perfeito, passa a perceber que sua existência não é apenas biológica, mas espiritual, simbólica, histórica.

 

2. A Morte como Passagem: A Autenticidade do Ser

 

O ponto central da filosofia de Heidegger é que a morte não é o fim, mas uma possibilidade radical. É o que nos lembra que temos um prazo, que nossa vida precisa ser vivida com verdade e profundidade. No texto, afirmo isso com força:

 

“A Morte [...] não como perda, mas como convite à reflexão e à elevação”.

 

Para Heidegger, a verdadeira vida começa quando olhamos para a morte com coragem e deixamos de viver “como todo mundo vive”, sem pensar. É isso que o vivo ao reviver o drama de Hiram Abiff: saio da ilusão do mundo profano (ou seja, da superficialidade) e entro no mundo simbólico, onde tudo ganha sentido mais profundo.

 

3. A Construção de Si Mesmo: O Templo Interior

 

Quando digo:

 

“Somos o templo. Somos o canteiro de obras onde o GADU trabalha”.

 

Estou expressando uma ideia muito próxima do pensamento de Heidegger: o ser humano é uma abertura. Nós não somos coisas prontas, mas seres em construção — e essa construção exige escolhas conscientes. Giacóia explica que, segundo Heidegger, o homem é o único ser capaz de perguntar pelo seu próprio ser. E isso é justamente o que o faço ao refletir sobre o que está construindo em nossa vida.

 

A Maçonaria, nesse sentido, não é apenas uma instituição, mas um caminho de transformação existencial, onde cada símbolo é um convite à responsabilidade sobre si mesmo.

 

4. A Última Vontade: O Espelho do Ser

 

A ideia do testamento simbólico toca diretamente em outro conceito de Heidegger: a projeção existencial. Ou seja, nós vivemos sempre projetando o que queremos ser. Quando o maçom é chamado a refletir sobre sua morte e o que deixará, ele está sendo convidado a pensar: estou vivendo com verdade? O que o meu ser está deixando no mundo?

 

Essa reflexão faz parte do que Heidegger chama de autenticidade — viver de forma coerente com aquilo que somos, e não apenas seguindo o que os outros fazem ou esperam.

 

5. Os Símbolos como Caminhos para o Mistério do Ser

 

“O Círculo me remete ao GADU [...] o Quadrado me recorda minha humanidade”.

 

Heidegger dizia que o ser humano vive entre o finito e o infinito, entre o mundo visível e o invisível. Os símbolos da Maçonaria revelam essa dualidade fundamental: somos limitados, mas temos dentro de nós uma centelha do eterno.

Na linguagem de Giacóia, isso é o que Heidegger chama de clareira do Ser — um espaço onde o mistério se mostra, mesmo que parcialmente. O templo, com seus símbolos, é essa clareira: ali, o invisível ganha forma, e o ser humano é lembrado de sua missão.

 

6. O Ritual como Reencontro com o Ser

 

A procissão em torno do esquife de Hiram é mais que um ato simbólico: é, como diria Heidegger, um rito de escuta. O silêncio, o gesto, o símbolo — tudo serve para quebrar a rotina do mundo comum e fazer o maçom reencontrar o sentido do seu caminho.

 

“Cada passo era um voto silencioso de fidelidade”.

 

Giacóia destaca que, em Heidegger, a escuta é mais importante que o saber. Não se trata de acumular informação, mas de abrir o coração para ouvir o chamado do Ser, que fala no silêncio, no ritual, no mistério.

 

7. A Acácia e a Esperança: A Vida como Travessia

 

A imagem final do texto — o ramo de acácia — representa a esperança na imortalidade, mas não no sentido de um céu futuro e distante. Para Heidegger, o ser humano já toca o eterno quando vive com autenticidade.

 

“A Vida é apenas o início da nossa jornada eterna junto ao GADU”.

 

Essa frase mostra que o verdadeiro Mestre Perfeito é aquele que reconhece sua finitude, mas também vive de forma plena e verdadeira. A jornada do iniciado é a jornada do ser que desperta e responde ao chamado mais profundo da existência.

 

Tornar-se quem se é

 

A filosofia de Heidegger, interpretada por Giacóia, ajuda a entender que o texto “Um Chamado ao Coração” é mais que uma descrição ritual: é uma convocação ao autêntico viver. Ser Mestre Perfeito não é ter um grau, mas tornar-se verdadeiramente humano — um ser que busca o sentido, que escuta o silêncio, que vive com coragem e verdade.

 

 “Agora sei que o verdadeiro Mestre Perfeito não é o que sabe, mas o que sente. [...] Não é o que é exaltado, mas o que serve com humildade, compaixão e Amor”.

 

Essa frase poderia ser assinada pelo próprio Heidegger: pois nela está o convite mais fundamental da filosofia — não saber mais, mas viver melhor.

 

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