A Loja Maçônica como Espaço de Estudo Vivo: Entre a Tradição Estéril e o Despertar da Consciência
Por Hiran de Melo
A Maçonaria, por sua natureza simbólica e
iniciática, propõe-se como um espaço de construção interior e coletiva, uma
verdadeira escola do espírito. Contudo, em tempos de excessiva formalização e
esvaziamento de sentido, torna-se urgente revisitá-la não apenas como um local
de encontros ritualísticos, mas como um ambiente de estudo vivo, em que
se lapidam consciências, e não apenas se repetem fórmulas.
A metáfora da Loja como Templo em constante
edificação tem perdido sua vitalidade quando seus obreiros se contentam com a
rigidez da forma. “Os templos estão erguidos, mas sob o piso mosaico, há
sombras não percebidas”. São as sombras da inércia travestida de tradição, do
rito que virou rotina, do ensino que já não transforma. A Loja, então, corre o
risco de tornar-se palco de uma pedagogia vazia — onde se fala de virtude, mas
sem vivê-la, onde se pronunciam palavras antigas como quem recita um manual, e
não como quem transmite experiência.
Esse fenômeno não é exclusivo da Maçonaria.
Ele ecoa fortemente na vida acadêmica, particularmente no universo do professor
universitário, como revela o artigo (*). O docente, que deveria ser mestre da
escuta, do diálogo e da formação humana, encontra-se cada vez mais reduzido a
um executor de tarefas, vítima de um sistema que exige produtividade, mas
sufoca o espírito. O professor universitário, assim como o Mestre maçom, sofre
com a fragmentação do tempo, a lógica da performance e a banalização da
autoridade. Em ambos os contextos, o que se vê é a desumanização do educador,
que já não dispõe de tempo — nem espaço simbólico — para formar consciências,
apenas para cumprir protocolos.
Dentro da Loja, essa problemática se
manifesta em um abismo silencioso entre os antigos dirigentes e os novos
aprendizes. Os primeiros, muitas vezes presos à repetição da forma, veem na
conservação dos ritos a totalidade de seu papel. Os segundos, em busca de
significado, deparam-se com muros de silêncio e com discursos esvaziados. A
tensão não é apenas geracional, mas simbólica: de um lado, a cristalização
da tradição; de outro, a fome por sentido. Como ensinar o caminho da Luz,
se os próprios guias já não a percorrem — apenas a contemplam, como vitral que
não se atravessa?
A Loja deixa de ser um espaço de aprendizado
quando os Mestres se tornam espectadores de sua própria função, e os Aprendizes
são tratados como recipientes a serem preenchidos, e não como pedras vivas a
serem lapidadas em diálogo. Há quem confunda iniciação com ingresso, progresso
com posse de grau, instrução com repetição de catecismo. Quando a experiência
maçônica é reduzida a essas caricaturas, ela se aproxima perigosamente de um sistema,
onde ensinar tornou-se um ato burocrático e inerte.
Tanto o professor quanto o Mestre maçom, em
sua essência, deveriam exercer uma pedagogia do cuidado, que respeita o
tempo do outro, que acolhe as dúvidas como oportunidades de crescimento mútuo,
e que reconhece que ensinar é também transformar-se. Mas como exercer esse
cuidado quando se está exaurido? Como manter a presença consciente quando a
rotina impõe a ausência emocional?
Tanto a Loja quanto a Escola enfrentam um
desafio comum: quando o rito se torna apenas forma, sem reflexão, ele perde seu
poder de transformação. Na maçonaria, sabemos que o valor do trabalho está não
apenas no gesto, mas no sentido que ele carrega. Quando repetimos palavras e
símbolos sem buscar compreendê-los, deixamos de lapidar nossa pedra bruta — e
corremos o risco de transformar a Luz em sombra.
A autoridade que não se questiona, os gestos
feitos por costume e não por convicção, e a repetição vazia podem tornar o
Mestre e o professor meros transmissores de uma tradição morta, ao invés de
verdadeiros guias na jornada do conhecimento e da elevação moral.
Segundo a teoria marxista, isso se chama
“fetichização da forma”: é quando esquecemos que por trás das formas e objetos
existem relações humanas vivas. Quando isso acontece, confundimos aparência com
essência e perdemos o contato com o verdadeiro propósito do nosso trabalho.
Cabe a cada iniciado, seja no Templo ou na
sala de aula, manter viva a chama da consciência. O rito precisa ser vivido com
intenção; o ensino, com clareza de propósito. Só assim a forma volta a servir
ao conteúdo — e o símbolo, ao despertar da Luz.
Por outro lado, há luz. Ainda há Mestres que ousam romper o rito maquinal para
escutar o silêncio do Aprendiz. Há professores que se recusam a ser apenas
gestores de tarefas, e escolhem formar consciências inquietas, e não corpos
dóceis. Estes são os verdadeiros guias: os que, mesmo cansados, ainda estendem
a mão. Que compreendem que lapidar o outro é, antes de tudo, aceitar ser
lapidado por ele.
Assim, a Loja Maçônica deve ser resgatada
como espaço de estudo existencial — e não apenas doutrinário. O estudo
que forma não é o que repete, mas o que interroga. É preciso restaurar o
sentido do rito, para que ele volte a ser ponte entre o visível e o invisível,
entre a palavra e o silêncio transformador.
A crise que se observa na Escola não pode ser
replicada na Loja. Se o professor universitário é hoje vítima e agente de um
sistema adoecedor, o Mestre maçom não pode seguir o mesmo caminho. Cuidar da
Loja é cuidar da pedagogia iniciática que ela representa. E isso exige mais
que sessões regulares ou discursos bem compostos: exige presença, escuta,
humildade e entrega.
Não são mais graus que a Maçonaria precisa,
como bem se disse — mas mais gravidade. Mais silêncio fecundo, mais ação
consciente, mais compromisso com o sentido, e menos apego à aparência. Só assim
a Loja poderá continuar sendo o que sempre se propôs: um canteiro de obras
da alma humana, onde Mestres e Aprendizes constroem, juntos, a liberdade
interior.
(*)
https://aberturaaodialogo.blogspot.com/2025/07/entre-docencia-e-exaustao-o-professor.html
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