Breve experiência iniciática no Grau 9
A
experiência iniciática não se resume apenas a um ritual, mas a um mergulho
profundo em valores, símbolos e responsabilidades que transcendem o simbolismo
inicial dos graus anteriores.
No
momento da iniciação, a atmosfera é carregada de solenidade e mistério. O
templo, preparado de forma singular, já sinaliza que estamos entrando num
espaço onde a justiça, a retidão e a lealdade serão colocadas à prova. É um
grau em que o compromisso não é apenas com a Ordem, mas também com a própria
consciência. O ensinamento central do grau gira em torno da luta contra a
injustiça, o abuso de poder e a traição — não como uma vingança pessoal, mas
como um imperativo moral e fraterno.
Aprendemos
que o zelo deve andar de mãos dadas com a prudência, e que a espada simbólica
que empunhamos não serve para ferir, mas para defender os princípios sagrados
da Maçonaria.
Há
um peso simbólico muito forte no número nove: ele nos remete à plenitude de um
ciclo e à responsabilidade que advém de uma missão cumprida com retidão. A
introspecção se torna inevitável. O juramento feito nesse grau ecoa no íntimo,
lembrando-nos que a maior vitória de um Mestre Eleito dos Nove não é sobre o
inimigo externo, mas sobre suas próprias paixões e ímpetos de injustiça.
Saí
da iniciação com uma sensação de dever acrescido, compreendendo que a
verdadeira justiça começa na reforma de si mesmo. É um grau que nos ensina que
o silêncio e a ação ponderada podem ser mais poderosos que o discurso inflamado
e que a retidão do coração é a espada mais afiada que um maçom pode carregar.
João Paulo dos Santos Dias – Cavaleiro Eleito dos Nove
Breve Consideração
Por Hiran de Melo
1.
Inspirada na ótica
de Michel Foucault
No relato, há um perfume de
solenidade que envolve cada frase — como se o templo descrito não fosse apenas
um espaço físico, mas uma arquitetura de vigilância interior. A iniciação é
pintada com as cores da honra e da prudência, mas, por baixo da tinta
cerimonial, sente-se a engrenagem invisível que molda gestos, olhares e até
silêncios.
Michel Foucault talvez
sorrisse ao perceber que, aqui, o poder não se exerce com grilhões, mas com
compromissos. Não há castigo aparente, mas há a prisão sutil da promessa feita,
onde cada um se torna seu próprio carcereiro e juiz. O juramento ecoa como voz
interna, ensinando que a justiça começa por domesticar as próprias paixões —
mas também lembrando que a definição de “justiça” já chegou moldada, esculpida
por mãos anteriores às nossas.
O texto veste o número nove
como manto de plenitude, mas essa plenitude traz consigo o peso de um ciclo
fechado, onde a introspecção não é só escolha, mas rito imposto. A espada
simbólica, tão leve nas palavras, é ainda um instrumento de poder, mesmo que
voltado à defesa. No fim, a lição é clara: não é o inimigo externo que deve ser
vencido, mas o impulso íntimo de se tornar tirano de si mesmo.
E assim, entre o silêncio
que constrói e o discurso que é contido, a narrativa ergue não apenas o templo
da virtude, mas também a fortaleza invisível onde cada maçom aprende a vigiar a
si — e a chamar a isso liberdade.
2.
Inspirada na ótica
de Friedrich Nietzsche
O relato
respira solenidade, como se cada palavra tivesse sido polida à mão, até
brilhar. Fala-se de justiça, prudência, lealdade — virtudes colocadas como
joias sobre o altar da consciência. Mas, sob esse ouro, pulsa a pergunta
inquieta: será que a vitória sobre as próprias paixões é realmente o ápice da
jornada, ou apenas uma moldura onde se aprisiona a chama do instinto?
Friedrich
Nietzsche talvez se inclinasse sobre essas linhas com um olhar de desconfiança
afetuosa. Diria que, por trás da espada que “não serve para ferir”, ainda vibra
a vontade de poder; que, no silêncio enaltecido, há também um medo disfarçado
de prudência; que a introspecção, exaltada como virtude, pode ser só mais um
ciclo em que o espírito corre em círculos, crendo-se livre.
O número
nove é tomado como plenitude, mas plenitude não é descanso — é vertigem. O
templo descrito é belo, mas sua beleza ordenada sugere também limites
invisíveis. A lição final — a reforma de si mesmo como caminho para a justiça —
soa elevada, mas talvez o verdadeiro desafio esteja em aceitar que nem toda
injustiça será vencida, e que o homem, para ser mais que um guardião de regras,
precisa também ousar recriar a própria medida.
E assim,
entre o silêncio e a espada, entre a prudência e o fogo, o texto deixa a
sensação de que a iniciação é mais que um rito de ascensão: é também um pacto
com o próprio abismo.
3.
Inspirada na ótica
de Hannah Arendt
O texto caminha com passos
firmes, como quem entra num templo não apenas com os pés, mas com todo o peso
da consciência. Ele fala de justiça e prudência, de lealdade e silêncio —
virtudes que soam puras, mas que, ao serem colocadas sobre o altar, ganham
também o peso da responsabilidade.
Hannah Arendt talvez visse
nessas palavras um eco da tensão eterna entre o mundo interior e o espaço
público. Pois, embora a narrativa celebre a reforma de si mesmo como raiz da
verdadeira justiça, permanece a pergunta: se a injustiça é combatida
apenas no íntimo, quem a enfrentará no mundo? A introspecção, tão
necessária, pode também se tornar refúgio; e o silêncio, mesmo nobre, pode ser
confundido com ausência.
O número nove, descrito como
plenitude, carrega um tom de fim de jornada, mas todo ciclo fechado convida ao
risco do conformismo. O templo, tão cuidadosamente preparado, protege e
inspira, mas também isola. Há, nas entrelinhas, a sugestão de que a espada
simbólica defende princípios universais; no entanto, o que é universal precisa
ser dito, compartilhado, exposto à luz, para que não se dissolva na penumbra da
interioridade.
O relato encerra-se com a
retidão do coração como lâmina afiada — imagem bela, mas perigosa. Pois
corações, mesmo retos, precisam de diálogo para não se tornarem certezas
solitárias. E talvez a iniciação, mais do que um pacto silencioso com a própria
consciência, seja um convite a manter acesa a chama da ação no mundo, para que
a virtude não se transforme apenas em lembrança bem guardada.
Uma conversa íntima
com Hannah Arendt
Fico imaginando, irmão, se
Hannah Arendt estivesse aqui, sentada à mesa, com um café quase frio entre as
mãos, ouvindo você narrar sua iniciação. Talvez ela não interrompesse de
imediato. Deixaria você falar de justiça, prudência e lealdade, sentindo o peso
das palavras se assentarem no ar.
E então, com aquele olhar
que atravessa sem ferir, perguntaria: “E o que você fará
com tudo isso fora do templo?” Porque
a reforma de si mesmo é necessária, sim, mas o mundo continua lá fora, com seus
abusos e traições que não se desfazem no silêncio.
Ela talvez sorrisse quando
você falasse da espada que não corta, apenas defende. Mas lembraria que, às
vezes, a defesa precisa ser voz — que guardar-se demais pode ser tão perigoso
quanto se expor sem medida.
O número nove, para ela,
soaria como um ponto de chegada. Mas Arendt veria também nele um chamado para
recomeçar, para não se perder na plenitude aparente que, muitas vezes, é
descanso disfarçado de vitória.
No fim, acho que ela lhe
diria que a retidão do coração é bela, mas que só encontra sentido quando
compartilhada, quando se torna ação viva no mundo. E, talvez, acrescentasse em
tom quase confidencial: “O templo é um abrigo, mas a luz que se aprende aqui só cumpre seu
destino quando acende outros caminhos lá fora”.
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