A maçonaria não transforma ninguém por mágica. Ela apenas oferece
ferramentas. O trabalho é do iniciado.
Por Orlando Araújo de Lima
Filho – Mestre Secreto
Introdução
“A
maçonaria não transforma ninguém por mágica. Ela apenas oferece ferramentas. O
trabalho é do iniciado”. Esta máxima encapsula a essência da jornada maçônica,
um caminho de autoconhecimento e aprimoramento contínuo. A Ordem Maçônica, com
sua rica simbologia e filosofia, não propõe uma metamorfose instantânea de seus
membros, mas sim disponibiliza um conjunto de alegorias e ensinamentos que, se
devidamente compreendidos e aplicados, podem catalisar uma profunda
transformação pessoal. O processo iniciático é apenas o primeiro passo em uma
longa estrada de trabalho interior, onde a verdadeira mudança reside na
capacidade do indivíduo de manejar as ferramentas que lhe são confiadas.
A
Diferença Entre Estar Iniciado e Agir Como Iniciado
A
cerimônia de iniciação é um marco simbólico de profunda significância,
representando a passagem das "trevas" da ignorância para a
"luz" do conhecimento. No entanto, a mera participação neste ritual
não confere, por si só, a sabedoria e a virtude almejadas. Estar iniciado é
receber o acesso a um novo universo de símbolos, rituais e conhecimentos. É ser
admitido em uma fraternidade que preza pelos mais elevados valores morais e
éticos.
Agir
como iniciado, por outro lado, transcende a formalidade. Implica em
internalizar os ensinamentos maçônicos e traduzi-los em ações concretas no
cotidiano. Significa pautar a própria conduta pela retidão, pela tolerância,
pela fraternidade e pela busca incessante pela verdade. É um exercício diário
de auto-observação e autodomínio, onde o maçom se esforça para ser um exemplo
de virtude para si mesmo e para a sociedade. A verdadeira iniciação, portanto,
é um processo contínuo que se desenrola para além dos portões do Templo.
O
Símbolo da Pedra Bruta: O Que Ele Representa em Nossa Vida
Prática?
Um
dos símbolos mais emblemáticos do grau de Aprendiz Maçom é a Pedra Bruta.
Retirada da natureza em seu estado imperfeito e irregular, ela representa o
próprio maçom em seu estado inicial, com todas as suas paixões, preconceitos e
vícios. O trabalho do Aprendiz consiste em, simbolicamente, desbastar essa
pedra, utilizando as ferramentas que lhe são fornecidas – o maço e o cinzel –
para transformá-la em uma Pedra Polida, apta a ser utilizada na construção do
Templo Social.
Em
nossa vida prática, a Pedra Bruta é uma poderosa metáfora para o nosso eu
interior. As arestas e imperfeições da pedra simbolizam nossos defeitos de
caráter, nossas ignorâncias e nossas más inclinações. O trabalho de desbaste
representa o esforço consciente de autoaperfeiçoamento. O maço, símbolo da força
de vontade, e o cinzel, representação da inteligência e do discernimento, são
as ferramentas que devemos empregar para lapidar nosso caráter, controlar
nossos impulsos e eliminar os aspectos negativos de nossa personalidade. É um
trabalho paciente e constante, que exige perseverança e autodisciplina para
que, gradualmente, possamos nos tornar seres humanos mais justos, éticos e
fraternos.
O Papel do Silêncio, da Escuta e da
Humildade na Jornada Maçônica
No
ambiente maçônico, o silêncio é mais do que a mera ausência de palavras; é uma
ferramenta de aprendizado e reflexão. Ao Aprendiz é imposto o silêncio para que
ele possa, primeiramente, aprender a ouvir. A escuta atenta aos ensinamentos
dos maçons mais experientes, às leituras e aos debates em loja é fundamental
para a absorção do conhecimento maçônico.
O
silêncio também propicia a introspecção, o mergulho em si mesmo na busca pelo
autoconhecimento. É no silêncio que o maçom pode refletir sobre suas ações,
seus pensamentos e seus sentimentos, identificando as imperfeições de sua
"Pedra Bruta". A humildade, por sua vez, é a virtude que permite ao
maçom reconhecer suas limitações e a necessidade de aprender com os outros. Sem
humildade, o conhecimento não encontra terreno fértil para florescer. A jornada
maçônica é uma jornada de constante aprendizado, e a humildade é a chave que
abre as portas para a sabedoria.
A Importância de Reconhecer o Valor do
Outro Sem Sentir-se Ameaçado
A
Maçonaria é uma fraternidade que reúne homens de diferentes origens,
profissões, crenças e opiniões. A harmonia e o progresso do trabalho em loja
dependem fundamentalmente da capacidade de cada maçom de reconhecer e valorizar
as qualidades e os conhecimentos de seus irmãos. O verdadeiro maçom não se
sente diminuído pelo brilho do outro; ao contrário, alegra-se com ele e busca
aprender com suas virtudes.
Reconhecer
o valor do outro sem sentir-se ameaçado é um sinal de maturidade e de superação
do egoísmo e da vaidade. É compreender que a construção de um Templo Social sólido
e justo requer a contribuição de todos, cada um com suas habilidades e talentos
específicos. A diversidade de pensamentos e de perspectivas enriquece os
debates e fortalece os laços fraternos. A competição dá lugar à cooperação, e o
sucesso individual é visto como parte do sucesso coletivo.
Conclusão
Em
suma, a Maçonaria oferece um caminho simbólico e filosófico para a
autotransformação. As ferramentas estão à disposição de todos os iniciados, mas
a obra de lapidação da Pedra Bruta é uma tarefa individual e intransferível. É
na prática diária da escuta, do silêncio, da humildade e do reconhecimento do
valor do próximo que o maçom demonstra ter compreendido a diferença fundamental
entre apenas "estar iniciado" e verdadeiramente "agir como um
iniciado", contribuindo assim para a sua própria evolução e para a
construção de uma sociedade mais justa e fraterna.
Breves considerações
Por Hiran de Melo
“A
maçonaria não transforma ninguém por mágica. Ela apenas oferece ferramentas. O
trabalho é do iniciado”. Com essa frase, Orlando Araújo de Lima Filho nos
convida a olhar para a jornada maçônica como um chamado à responsabilidade
pessoal, à liberdade interior e à construção consciente de si mesmo. Essa visão
ressoa tanto com a filosofia existencial de Martin Heidegger quanto com a
espiritualidade simbólica de Jean-Yves Leloup, ambos atentos ao mistério do ser
em processo.
Iniciar-se
é despertar
A
iniciação não é um ponto de chegada, mas o início de uma travessia. Não garante
virtude, mas oferece a possibilidade de cultivá-la. Estar iniciado é como
receber uma semente; agir como iniciado é cuidar dela com presença, escuta e
intenção. A maçonaria não impõe formas — ela abre espaços simbólicos onde o ser
pode florescer. O rito é moldura; o quadro é pintado no cotidiano, com
escolhas, gestos e silêncios.
Lapidar-se
é amar o que ainda não é amor
A
Pedra Bruta, símbolo do grau de Aprendiz, representa o ser humano em seu estado
inicial — imperfeito, cheio de arestas, mas pleno de potencial. O maço e o
cinzel não são instrumentos de repressão, mas extensões da vontade e do discernimento.
Lapidar-se é retirar as camadas que encobrem o ser autêntico, é transformar
dureza em abertura, reatividade em presença. É aprender a amar o que em nós
ainda não é amor.
Silêncio
e escuta: caminhos para o essencial
O
silêncio imposto ao Aprendiz não é punição, mas preparação. É no recolhimento
que se aprende a escutar — não apenas os outros, mas a si mesmo. Escutar é mais
do que entender; é permitir que o outro nos transforme. A escuta verdadeira
exige humildade, pois só quem reconhece que não sabe está aberto ao saber.
Esses gestos — silenciar, ouvir, acolher — são modos de habitar o mundo com
mais presença e reverência ao mistério que nos habita.
O
outro como espelho e revelação
Reconhecer
o valor do outro sem sentir-se ameaçado é abandonar a lógica da comparação e
abraçar a da cooperação. Cada irmão é um espelho que revela virtudes e
limitações, e é na convivência que se aprende a ser mais. A fraternidade não é
apenas união de iguais, mas comunhão de diferentes que se respeitam e se enriquecem
mutuamente. O brilho do outro não ofusca — ilumina.
Transformar-se
é oferecer-se
A
maçonaria não promete milagres. Ela propõe perguntas, oferece símbolos, abre
caminhos. O iniciado é aquele que aceita o convite para tornar-se mais humano,
mais presente, mais livre. E esse trabalho — silencioso, paciente, profundo —
é, no fim, uma oferenda: à própria vida, ao outro, ao mistério. Transformar-se
é uma tarefa, não um destino. E é nesse movimento contínuo — de escuta, de
lapidação, de abertura — que o ser se realiza como exemplo vivo, iluminando o
caminho com sua própria presença.
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