O Sanctum Sanctorum como Imagem do Reino Interior da Razão Moral

Por Altamir José Chaves da Costa – Mestre Secreto

1. Introdução: O Templo como Espelho da Alma

"Sanctum sanctorum" significa "o santo dos santos" em latim, referindo-se ao local mais sagrado e interno de um templo ou tabernáculo, restrito apenas aos mais dignos. O termo é usado tanto no judaísmo e na Maçonaria para descrever o Santo dos Santos bíblico, quanto no hinduísmo para o espaço sagrado dentro do templo.

Quando Moisés, no deserto, após a fuga do Egito, construiu o tabernáculo, colocou nele três compartimentos: o mais interno e preservado denominou “Santo dos Santos”, onde era guardada a Arca da Aliança, o objeto considerado mais sagrado daquele Templo.

No Sanctum Sanctorum, somente tinha acesso o Sumo Sacerdote. Nos grandes Templos construídos depois – em local definitivo, pois o tabernáculo era desmontado e armado em outro lugar, consoante o progresso da marcha – o Santo dos Santos era separado por um véu, pois o povo não podia ver sequer o que existia lá dentro.

Esse espaço sagrado vai além de uma representação meramente física e simbólica, deve ser vista além de uma alegoria como estamos acostumados a ver em nosso trajeto maçônico. Ele representa sobretudo, um espaço de reflexão sobre nossa consciência moral, sobre nossa capacidade de transbordar bondade, ética e desejo de aprimoramento.

Equivalente latino do nome que davam os judeus ao lugar mais santo e mais recatado do templo; aplica-se a qualquer lugar defeso aos profanos. Esse lugar mais santo no templo pode ser associado de uma forma filosófica ao lugar mais santo de nosso corpo, ao nosso espírito e, nesse caso, o templo é o espelho do corpo, sendo o Sanctum Sanctorum o espelho da alma.

Destaco ainda que todos os símbolos estudados, apreciados e vivenciados em nossa sublime instituição, não apresentam apenas uma forma rígida de avaliação (como um mero dogma). São, importantes ferramentas de reflexão, para todos que buscam desbastar de fato sua pedra bruta, de fato, são elementos indutores de nosso aperfeiçoamento.

2. A Transição do Externo para o Interno

Na maçonaria, todo elemento, alegoria ou símbolo visto no templo, retrata de forma espiritual a ação do homem que busca ser transformado em um ser melhor e, nesse momento, tais objetos deixam sua função inanimada, passando agora a dar vida a bases éticas e morais indispensáveis para um maçom.

Quando trazemos para perto em uma transição profunda do externo para o interno, temos o nosso corpo como o tempo (que sofre ações profanas e desafios individuais a cada ser) e temos o interno como sendo a nossa alma que pode transmitir bondade, luz e boas vibrações a depender de nossa forma de agir. Assim pois, a busca por aprimoramento tem início do externo para o interno, mas é de fato finalizada, de dentro pra fora.

Quando conseguimos compreender os ensinamentos maçônicos de forma plena, iniciamos o desbaste de nossa pedra, não quebrando lascas ao relento e sim, construindo em nosso íntimo uma arca que servirá de berço para o santo dos santos e, nesse momento, após a pedra desbastada e as ações externas bem alinhadas com as internas, é impossível não transbordar de boas vibrações.

Todos os símbolos presentes têm uma representação moral, com plena capacidade de auxiliar na evolução daqueles que estiverem abertos aos seus ensinamentos e reflexões, é sobre isso que iremos falar.

3. Análise Simbólica dos Elementos do Sanctum Sanctorum

A arca da aliança representa a capacidade moral, onde a ação não se molda apenas por coerção legal e sim por desejo íntimo de justiça e um forte apelo moral individual

Os querubins representam as sete virtudes onde, por meio desse objeto podemos buscar em nosso íntimo a existência da prudência, coragem, temperança, justiça, sabedoria, compaixão e integridade. Mas lembre meu irmão: as sete virtudes podem se completar ou se anular entre si. EX: agir por coragem sem prudência e agir por impulso.

O altar triangular representa a liberdade de escolha, razão como guia e dever como compromisso. Por si reflete o sentimento reforçado no período iluminista de liberdade responsável, onde todos devemos ser livres e responsáveis por nossas livres escolhas.

O altar dos perfumes reflete a pureza das intenções, isso fica claro ao avaliar de modo pratico o comportamento de um perfume que, por mais bem fechado que seja seu frasco, consegue demonstrar suas características mesmo antes do uso.

A mesa dos pães trata de um alimento espiritual que nutre a consciência, e você pode pensar por um momento: Mas todo alimente que nutre o corpo, nutre em consequência a consciência. Nesse caso específico falamos de uma nutrição moral, onde se partilha o pouco que si tem, vai além da mera figura do alimento.

No Altar dos juramentos o maçom assume seu verdadeiro compromisso coma boa vontade e ética, ultrapassa o “eu juro” e embebeda a alma de um desejo verdadeiro de realizar aquilo que se propõe, sem a obrigação de termos ou documentos probatórios.

Altar dos Sacrifícios, não se trata de um sacrifício material do nosso corpo e, de um certo modo é disso mesmo que tratamos. Ao entender que na luta pelo bem coletivo, precisamos sacrificar o nosso egoísmo em forma de renúncias, punimos o nosso corpo por um breve momento. Porém, ganhamos em evolução espiritual no longo prazo, a cada renuncia do EU pelo NÓS, sacrificamos o velho homem material em busca do novo homem desbastado.

Conclusão

Todos esses símbolos e alegorias devem servir de norte para o bom desenvolvimento maçônico, não são objetivos inalcançáveis e sim perfeitamente viáveis na caminhada de quem busca o autoconhecimento e a evolução espiritual. De uma forma bem didática, o olhar simbólico da maçonaria transforma de fato todos que desejam ser transformados.

A maçonaria convida a cada um de nós a crescer de forma individual, elevando com isso um padrão moral coletivo, tendo em vista que cada ser humano tem responsabilidade direta com o meio em que vive, sua transformação trará evolução até em pessoas que te criticam. É como diz o ditado: A palavra mostra o caminho, mas quem conduz de fato é o exemplo. Que sejamos todos exemplos por onde possamos andar, que nossos símbolos e alegorias sigam moldando homens comprometidos com o desbaste da pedra bruta.

 

Breves considerações

 

Por Hiran de Melo

O texto de Altamir José Chaves da Costa é uma convocação à autenticidade. Ao abordar o Sanctum Sanctorum, o autor não o trata como um espaço físico, mas como imagem viva do que há de mais essencial em nós: a morada da razão moral, o centro silencioso onde espiritualidade e ética se encontram.

Inspirado pela tradição maçônica, Altamir constrói uma narrativa que dialoga com a sensibilidade de Jean-Yves Leloup e a visão humanística de Martin Heidegger. Leloup nos lembra que o sagrado não está apenas nos altares, mas na atitude interior que reconhece o mistério em cada gesto. Heidegger, por sua vez, nos convida ao “habitar poético” do mundo, onde o templo não é apenas edificação, mas expressão do ser que se interroga e se transforma.

O Santo dos Santos, velado e reservado, não é um lugar de exclusão, mas de escuta. O véu que o separa do mundo profano não é barreira, mas convite à interioridade. O que está oculto não é o que se deve evitar, mas o que se deve conquistar: a verdade de si mesmo.

Ao propor a transição do externo para o interno, Altamir nos conduz por um caminho de desvelamento. O corpo, sujeito às ações do mundo, é o primeiro território a ser reconhecido. Mas é na alma — esse espaço de luz e vibração — que se dá a verdadeira transformação. O desbaste da pedra bruta, tão caro à maçonaria, é aqui entendido como um gesto de cuidado com o ser. Não se trata de moldar uma forma ideal, mas de permitir que o ser se revele em sua autenticidade.

Cada símbolo descrito — a arca da aliança, os querubins, os altares — é mais do que objeto de contemplação. São modos de ser. A arca representa a justiça interior; os querubins, as virtudes que se equilibram; o altar triangular, a liberdade responsável; o altar dos perfumes, a pureza das intenções; a mesa dos pães, a partilha que nutre a consciência; o altar dos juramentos, o compromisso que transcende o formalismo; e o altar dos sacrifícios, a renúncia do ego em favor do bem comum.

Essa leitura simbólica é profundamente encarnada. Ela nos lembra que o caminho espiritual não se faz apenas com ideias elevadas, mas com escolhas concretas, com renúncias sinceras, com gestos que iluminam. Como diria Leloup, “não basta saber, é preciso ser”. E ser, neste contexto, é tornar-se templo vivo — onde o Santo dos Santos não está escondido atrás de véus, mas revelado na transparência de uma vida ética, compassiva e justa.

Ao final, o texto não se encerra em si mesmo. Ele se abre como um convite: que cada um de nós seja exemplo, não por perfeição, mas por autenticidade. Que os símbolos não fiquem presos às paredes do templo, mas se tornem atitudes no mundo. Que o desbaste da pedra bruta seja, acima de tudo, um gesto de amor — por si, pelo outro, pelo mistério que nos habita.

Essa é a verdadeira iniciação: tornar-se luz no caminho dos que ainda buscam. Que sejamos todos, presença transformadora, capazes de inspirar com o simples ato de sermos inteiros.

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