Grau 11 – Sublime Cavaleiro Eleito - Visões Filosóficas
Por Hiran de Melo
Saber e Poder: a Verdade como Construção
Michel
Foucault sempre questionou a ideia de uma “verdade absoluta”. Para ele, o que
chamamos de verdade é construído dentro de sistemas de saber e relações de
poder.
O
texto do Grau 11 (*)
apresenta o Cavaleiro como alguém que “luta pela verdade” e afirma que a
“justiça verdadeira só pode ser praticada por quem vê o mundo com clareza”.
Foucault
nos convidaria a refletir: quem define essa verdade? Em nome de quais
estruturas de poder ela é sustentada?
A
maçonaria, com seus rituais e símbolos, também faz parte dessas relações de
poder. Ela produz e transmite um tipo específico de saber. Assim, o
Cavaleiro que defende a verdade é também um sujeito formado por esse mesmo
sistema que define o que é verdadeiro.
O Sujeito e a Vigilância Interior
Um
dos pontos mais fortes do Grau 11 é o chamado ao autoconhecimento e à
vigilância constante de si mesmo. O Cavaleiro é instruído a purificar-se e a
julgar primeiro a si próprio.
Foucault
via essa prática como uma forma de subjetivação, ou seja, o modo como a
pessoa é moldada por discursos e regras sociais. Ele afirmava que a
introspecção — essa observação constante de si — não é neutra, mas sim uma
técnica de poder.
Ao
vigiar seus próprios pensamentos e ações, o indivíduo internaliza as
regras e passa a se controlar. Como Foucault escreveu em Vigiar e
Punir, "a alma torna-se a prisão do corpo". Ou seja, a disciplina vem
de dentro.
O Cavaleiro como Representante da Ordem
O
Cavaleiro do Grau 11 é descrito como defensor da justiça e da ordem moral —
inclusive dentro da própria Ordem Maçônica.
Foucault
estudou como instituições (como escolas, quartéis e prisões) moldam
comportamentos por meio da disciplina e da vigilância. O poder não age
apenas pela força, mas pela criação de regras e normas que todos aprendem a
seguir.
Nesse
sentido, o Cavaleiro não apenas defende a ordem — ele se torna a própria expressão
dessa ordem. Ele é formado por esse sistema e, ao mesmo tempo, ajuda
a mantê-lo.
O Combate Moral e o Poder Disfarçado
O
texto fala sobre a luta contra a hipocrisia e os abusos de poder. Mas Foucault
chamaria a atenção para algo importante: essa luta não elimina o
poder — apenas o redistribui.
Quando
o Cavaleiro combate a injustiça, ele também cria um novo discurso, uma nova
forma de exercer influência e controle. A defesa da moral pode se tornar, sem
perceber, uma nova maneira de impor regras, mesmo
que com boas intenções.
A Maçonaria como Sistema de Saber e Poder
Foucault
entenderia a maçonaria como uma instituição que produz saber e molda comportamentos por
meio de rituais, símbolos, graus e ensinamentos.
Quando
a Ordem fala de ética, pureza e coragem moral, ela está também determinando como o maçom ideal deve pensar, sentir e agir. Ela
forma sujeitos de uma certa maneira.
A
busca pela luz, pela verdade e pela justiça pode ser, segundo Foucault, uma forma
refinada de governo sobre os corpos e as almas. Ou seja, é uma forma
de orientar a vida interior e exterior das pessoas.
O Grau 11 como Prática de Transformação Pessoal
Para
Foucault, o Grau 11 pode ser visto como uma das muitas "tecnologias do
eu" — práticas através das quais a pessoa age sobre si mesma
para se transformar.
Essas
práticas, porém, não são neutras. Elas vêm carregadas de valores, regras e
expectativas que surgem dentro de um determinado contexto histórico e social.
Elas
nos moldam de formas muitas vezes invisíveis — mesmo quando pensamos estar
agindo com plena liberdade.
(*) Referência Bibliográfica e de leitura obrigatória para entender
o presente trabalho.
Grau
11 – Sublime Cavaleiro Eleito, veja no link
https://pazeamorloja0225.blogspot.com/2025/04/pacificos-e-amados-irmaos-o-grau-11.html
Anexo: Algumas
palavrinhas a mais: Reflexão Filosófica sobre o Grau 11 à Luz de Grandes Pensadores
Análise Filosófica Complementar
do GRAU 11 – Sublime Cavaleiro Eleito
1. Friedrich Nietzsche (1) – A Verdade como Ilusão
Necessária
Nietzsche
também questionou a ideia de uma verdade absoluta, mas foi além: para ele, a
verdade é como uma “ficção útil”. Ou seja, é algo que criamos com base em
convenções, repetido tantas vezes que esquecemos que é apenas uma
interpretação.
“Não existem
fatos, apenas interpretações”. – Nietzsche
Sob
esse olhar, o Cavaleiro que “luta pela verdade” pode estar, sem perceber,
defendendo uma verdade herdada da cultura ou da tradição — o que Nietzsche
chama de moral de rebanho, ou seja, uma moral criada para manter a
ordem, e não necessariamente para libertar.
Assim,
a vigilância de si mesmo e a busca por pureza podem ser vistas não como atos de
liberdade, mas como uma forma de seguir regras que reforçam uma ideia dominante
de certo e errado.
Nietzsche
também desconfiaria da ideia de “justiça verdadeira”. Para ele, toda justiça
está ligada à vontade de poder — ao desejo de impor uma visão de mundo.
O Cavaleiro, então, ao afirmar o que é justo, pode estar, ao mesmo tempo, exercendo
um poder.
A
maçonaria, com seus símbolos e graus, seria entendida como um sistema que forma
indivíduos fortes ou fracos, dependendo de como esses indivíduos lidam com
a verdade e com o poder.
2. Immanuel Kant (2) – Autonomia, Dever e
Razão Prática
Para
Kant, agir moralmente é agir com base na razão e no dever — não por medo,
costume ou conveniência, mas por respeito àquilo que é correto em si mesmo.
Ele chamava isso de imperativo categórico: um princípio que deve valer
para todos, em qualquer situação.
O
Cavaleiro do Grau 11, ao se vigiar e buscar agir com justiça, pode ser visto
como alguém em busca dessa moral racional. O chamado ao autoconhecimento e ao
julgamento de si está em harmonia com a ideia de maioridade moral, ou
seja, deixar de ser guiado pelos outros e pensar por si mesmo.
Por
outro lado, Kant também adverte: se o Cavaleiro age apenas porque a tradição ou
a Ordem o mandam, sem refletir por conta própria, ele ainda não atingiu a autonomia
moral. Isso seria chamado de heteronomia — quando as regras vêm de
fora, e não da própria razão.
Assim,
a maçonaria, do ponto de vista kantiano, tem valor se ajuda o homem a pensar
com liberdade e agir por convicção racional. Mas pode se tornar uma prisão se
impuser comportamentos sem permitir questionamento.
3. Gilles Deleuze (3) – Linhas de Fuga e
Criação de Si
Deleuze,
influenciado por Foucault, acredita que a formação do indivíduo não é só um
processo de controle, mas também de criação. Para ele, o sujeito pode
inventar novos modos de ser, fugir do que está pré-determinado. Isso é o que
ele chama de linha de fuga.
Nesse
sentido, o Cavaleiro do Grau 11 pode ser mais que um seguidor da Ordem: ele
pode ser um criador de si mesmo, alguém que transforma a si e ao mundo
ao seu redor.
A
introspecção, então, não precisa ser só vigilância, mas uma forma de
experimentar novas maneiras de viver e pensar. Se a maçonaria apenas repete
fórmulas fixas, ela seria, para Deleuze, uma máquina de controle. Mas se abre
espaço para a liberdade e a transformação, ela se torna um espaço de
potência e criação.
O
verdadeiro Cavaleiro, para Deleuze, é aquele que rompe com modelos rígidos
e cria novas formas de justiça, ética e existência.
4. Pierre Bourdieu (4) – Campo Maçônico,
Habitus e Poder Simbólico
Bourdieu
analisa a sociedade como composta por vários campos sociais, como a
política, a religião, a arte — e a maçonaria também é um desses campos.
Cada
campo tem suas regras, seus valores e seus símbolos. O Cavaleiro que chega ao
Grau 11 não é neutro: ele foi formado dentro desse campo, aprendeu o que é
valorizado e o que deve ser evitado.
O
“saber” que ele recebe — os rituais, os ensinamentos, os símbolos — é uma forma
de capital simbólico, algo que tem valor dentro do universo maçônico.
Esses elementos moldam o que ele pensa, sente e como age, muitas vezes de forma
automática. Isso é o que Bourdieu chama de habitus — disposições
incorporadas que guiam nosso comportamento.
A
crítica de Bourdieu seria: quem decide o que é virtude dentro da Ordem?
Quem tem o poder de definir o que é justo, puro ou elevado?
Mesmo
quando o Cavaleiro pensa estar apenas fazendo o bem, ele pode estar apenas reproduzindo
uma estrutura de poder simbólico da qual faz parte.
Aqui
está um resumo do que cada pensador acrescenta à reflexão sobre o Grau 11:
|
Filósofo |
Contribuição Principal |
|
Michel Foucault |
A
verdade é construída dentro de sistemas de saber e poder. O autoconhecimento
é uma técnica de controle. |
|
Friedrich Nietzsche |
A
verdade é uma ilusão útil. A moral pode esconder uma vontade de poder. |
|
Immanuel Kant |
A
moral verdadeira exige autonomia e razão. Agir por dever é agir com ética. |
|
Gilles Deleuze |
O
sujeito pode criar novas formas de existir. O Cavaleiro pode ser uma força criadora
e transformadora. |
|
Pierre Bourdieu |
A
Ordem Maçônica forma habitus. A ética do Cavaleiro é parte de um campo
simbólico e disputas de poder. |
Hiran de Melo – Presidente da Excelsa Loja de Perfeição “Paz e Amor”, corpo filosófico da Inspetoria Litúrgica do Estado da Paraíba, Primeira Região, do Supremo Conselho do Grau 33 do REAA da Maçonaria para a República Federativa do Brasil.
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