Grau 14 – Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom: Visões Filosóficas

 

Por Hiran de Melo

 

O Grau 14 (*) é uma síntese e elevação espiritual, no qual os elementos da justiça, sabedoria, moralidade e verdade, trabalhados em graus anteriores, são reunidos sob a ideia de perfeição interior e da presença do Divino em todas as coisas. Nesse contexto, a “perfeição” não se refere à ausência de falhas, mas ao estado de consciência desperta.

 

Análise do Grau 14 sob a ótica de Michel Foucault

 

O discurso sobre o Grau 14 da Maçonaria pode parecer, à primeira vista, apenas uma exaltação espiritual e moral. No entanto, quando olhado pelos olhos de Michel Foucault, ele revela um sistema altamente sofisticado de produção de sujeitos, de governamentalidade espiritual e de formação de conduta por meio do saber simbólico.

 

1. Saber como instrumento de poder

 

Foucault afirma que não existe saber neutro. Todo conhecimento, inclusive o simbólico e espiritual, é atravessado por relações de poder. O que o Grau 14 propõe como “verdade espiritual” — a busca pela luz, a reconstrução do templo interior, a reconciliação com o Nome Inefável — é uma narrativa disciplinadora, que orienta como o iniciado deve pensar, sentir e agir.

 

Esse saber define o que é virtude, pureza, iluminação e até o que é plenitude do ser. Com isso, ele constrói uma norma ideal de maçom, uma imagem do "Perfeito e Sublime" que serve como espelho e modelo de conduta.

 

Foucault chamaria isso de “produção de subjetividades”: o Grau 14 não apenas transmite ideias, mas forma identidades específicas — desejadas e valorizadas pela estrutura da Ordem.

 

2. Tecnologias de si: a reconstrução do templo interior

 

Foucault descreve as “tecnologias de si” como práticas e discursos que os indivíduos usam para transformar a si mesmos segundo certos ideais. No Grau 14, o discurso da reconstrução do templo interior é, na verdade, um programa disciplinar de autogoverno:

 

O iniciado deve descer às “profundezas do ser”, identificar seus erros e paixões, e reconstruir-se moral e espiritualmente.

 

Isso exige vigilância constante de si mesmo, renúncia aos desejos egoístas e adesão voluntária a uma norma idealizada de conduta.

 

Essa jornada simbólica, ao mesmo tempo que parece libertadora, é um exemplo claro de como o poder pode operar “por dentro” do sujeito, levando-o a controlar-se sem a necessidade de coerção externa.

 

A busca pela iluminação torna-se uma forma de governo espiritual: o sujeito se molda para se tornar o ideal proposto pela própria instituição.

 

3. Espiritualização do poder

 

Foucault observa que, quando o poder se espiritualiza, ele deixa de parecer poder — e passa a ser aceito como missão, verdade ou dever sagrado. Isso é exatamente o que ocorre no Grau 14.

 

Ao apresentar a construção interior como um chamado divino — e o Nome Inefável como uma revelação espiritual — o discurso reveste o poder com uma aura de transcendência. O iniciado obedece, não porque é forçado, mas porque acredita estar servindo a uma verdade maior.

 

Aqui o poder se torna quase invisível: ele se infiltra como “amor à sabedoria”, “serviço à luz” ou “consagração espiritual”, mas no fundo estrutura e regula toda a vida simbólica do maçom.

 

4. Arquitetura simbólica e disciplina dos corpos

 

Foucault também analisa como os espaços simbólicos e arquitetônicos (como prisões, escolas e, aqui, o Templo maçônico) são usados para organizar a conduta dos indivíduos.

 

No Grau 14, o Templo reconstruído representa:

 

A alma purificada;

A vida disciplinada e ordenada por virtudes;

O corpo e a mente organizados segundo um “projeto sagrado”.

 

Cada elemento simbólico — a Luz Perfeita, o Triângulo, o Nome — funciona como um dispositivo pedagógico que ensina, corrige e orienta. O Templo, nesse contexto, não é apenas símbolo — é ferramenta de normalização.

 

A maçonaria, como outros sistemas iniciáticos, cria uma “arquitetura moral” que vai além do físico. Ela molda interiormente o sujeito por meio de espaços simbólicos carregados de sentido.

 

5. O Grau 14 como dispositivo de subjetivação

 

No final, o que o Grau 14 oferece ao iniciado é um roteiro de subjetivação espiritual. A jornada simbólica, longe de ser apenas metafísica, é uma forma de construir um tipo ideal de ser humano — iluminado, disciplinado, ético e, acima de tudo, governável.

 

Ao propor que o Nome Sagrado está “dentro de nós”, o discurso desloca a autoridade externa para o interior da consciência, criando um sistema de autovigilância e auto avaliação permanente — típico das formas mais refinadas de poder, segundo Foucault.

 

A liberdade disciplinada

 

Na linguagem da maçonaria, o Grau 14 propõe liberdade espiritual e perfeição interior. Na leitura segundo a ótica de Foucault, porém, essa liberdade está estruturada por normas simbólicas, e a perfeição é uma meta disciplinar.

 

O iniciado é formado para ser “livre” dentro dos limites de um ideal, e “espiritualmente autônomo” seguindo um modelo cuidadosamente construído pela tradição.

 

O Grau 14 não impõe poder pela força, mas por meio do saber, do símbolo e da crença — transformando o controle em iluminação, e a obediência em liberdade

 

(*) Referência Bibliográfica e de leitura obrigatória para entender o presente trabalho.

Grau 14 – Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom veja no link

https://pazeamorloja0225.blogspot.com/2025/04/inspetoria-liturgica-do-estado-da_22.html

 

Anexo: Algumas palavrinhas a mais: Reflexão Filosófica sobre o Grau 14 à Luz de Grandes Pensadores

 

Análise Filosófica Complementar do GRAU 14 – Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom

 

Friedrich Nietzsche (1) O poder que molda o sujeito

 

Foucault nos mostra que o poder não aparece só na política ou nas leis, mas também nos símbolos, rituais e ensinamentos. No caso do Grau 14, a Maçonaria usa discursos espirituais e símbolos (como o templo interior, a luz, o Nome Inefável) para formar um tipo ideal de maçom.

 

Esses símbolos transmitem ideias que passam a guiar a forma como o iniciado pensa, sente e age.

 

O iniciado, ao buscar se tornar “Perfeito e Sublime”, assume um padrão de conduta que ele mesmo passa a vigiar e seguir.

 

Para Foucault, essa busca por iluminação espiritual também pode ser vista como uma forma sutil de controle: o poder está presente até mesmo onde parece haver apenas crescimento pessoal.

 

Nietzsche (2) O Grau 14 como Superação do Homem Comum

 

Nietzsche nos mostra que a verdadeira elevação espiritual não está em seguir regras prontas ou modelos fixos, mas em criar novos valores a partir de si mesmo. No Grau 14, a perfeição, segundo esse olhar, não é seguir um padrão externo — é tornar-se quem realmente se é, com toda sua força, autenticidade e plenitude.

 

O “Perfeito e Sublime” não é aquele que repete tradições, mas quem supera os modelos herdados e tem coragem de ser original.

 

A reconstrução do templo interior não é um retorno à ordem antiga, mas uma afirmação da vontade de potência — a força vital que transforma ruínas em novos sentidos.

 

A presença do Divino, aqui, não é submissão ao já estabelecido, mas a vivência interior de uma potência criadora, que abre novos caminhos.

 

O verdadeiro Templo é construído por quem ousa viver além da moral herdada e forja sua luz a partir do caos”. (Nietzsche)

 

Kant (3) A Perfeição como Realização do Dever Moral

Para Kant, a perfeição não significa ser impecável, mas agir com intenção justa e consciente. No Grau 14, reconstruir o templo interior é agir de acordo com princípios éticos universais, reconhecidos pela própria razão.

 

Ao buscar o Nome Inefável dentro de si, o iniciado se aproxima do que Kant chama de imperativo categórico: agir de forma que sua conduta possa servir de exemplo a todos.

 

A disciplina exigida não é só ritual — ela representa a autonomia moral, ou seja, seguir a razão com consciência e responsabilidade.

 

A verdadeira perfeição não vem de dons especiais, mas de esforço racional e fidelidade ao dever.

 

O templo interior é construído com as pedras do dever — e o Nome está na ética de cada ação justa”. (Kant)

 

Deleuze (3) O Grau 14 como Transformação Contínua

 

Para Deleuze, o ser humano está sempre em movimento, em processo. O Grau 14, nessa visão, não é um ponto final, mas uma travessia, um estágio de transformação permanente.

 

A perfeição não é um destino fixo, mas um movimento constante de criação e reinvenção de si mesmo.

 

O templo interior é uma estrutura viva, que muda a cada nova experiência, a cada nova compreensão simbólica.

 

O Nome Sagrado não é uma palavra que se encontra — é uma força que se revela de diferentes formas ao longo da jornada.

 

A perfeição não é alcançar o fim, mas habitar o fluxo do vir-a-ser com coragem e abertura”. (Deleuze)

 

Bourdieu (4) O Grau 14 como Reconhecimento e Prestígio Simbólico

 

Bourdieu nos ajuda a entender como as instituições constroem valores sociais e prestígio simbólico. O Grau 14, nessa leitura, pode ser visto como um ritual de consagração, que reconhece a jornada e o mérito do iniciado.

 

Ser “Perfeito e Sublime” significa também atingir um lugar de distinção dentro da Ordem — um modelo valorizado socialmente.

 

Símbolos como o Nome, o Templo e a Luz são marcadores de reconhecimento: mostram que o iniciado atingiu um nível de entendimento que merece respeito.

 

O templo reconstruído é também um espaço de legitimação — ele consagra e valida a trajetória do iniciado diante da comunidade maçônica.

 

O Nome é também um título — um reconhecimento simbólico dentro da Ordem, que confere autoridade e respeito”. (Bourdieu)

 

Síntese Filosófica do Grau 14: Um Espelho com Vários Sentidos

Filósofo

Visão do Grau 14

A Perfeição Representa

Foucault

Formação do eu por meio do saber simbólico

Disciplina e autogoverno

Nietzsche

Superação dos modelos e criação de novos valores

Vontade de potência

Kant

Ação baseada na razão e no dever moral

Autonomia ética

Deleuze

Processo contínuo de transformação

Movimento e reinvenção

Bourdieu

Reconhecimento social dentro de um campo simbólico

Prestígio e distinção

 

Conclusão – A Perfeição como Caminho Múltiplo

 

O Grau 14 pode ser compreendido como um ponto de encontro entre o espiritual, o ético e o simbólico. A ideia de perfeição não é única — ela se manifesta de várias formas, segundo a vivência e a visão de cada iniciado:

 

Para uns, é disciplina e vigilância constante;

Para outros, é criatividade, força e superação;

Para muitos, é servir à verdade com liberdade e consciência;

Para todos, é reconstruir o Templo interior com coragem, humildade e sinceridade.

 

A maçonaria não impõe um único caminho — ela oferece um espaço simbólico cheio de significados, onde cada um pode trilhar sua jornada rumo ao ser Perfeito e Sublime.

 

Se o amado irmão deseja estudar mais um pouco, apresento a seguir análises, à luz de grandes filósofos, detalhas do texto “Grau 14 – Grande Mestre Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom” (*). Boas leituras e bons estudos desejo a todos.

 

(1) Grau 14 – Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom - análise do texto na visão de Friedrich Nietzsche

 

1. Um Grau de Culminância e Reconstrução

 

O Grau 14 representa o ponto mais alto dos chamados Graus Inefáveis. Nele, o maçom reconstrói seu templo interior, alcançando uma forma elevada de consciência espiritual. Ao invés de apenas buscar o conhecimento, agora ele se torna o conhecimento — vivo, atuante, encarnado.

 

Do ponto de vista de Nietzsche, essa reconstrução não é submissão a um ideal externo, mas um ato de afirmação interior. O maçom neste grau não busca mais fora de si, mas reconhece a divindade que pulsa em seu próprio ser. Isso lembra o ideal nietzschiano do "além-do-homem" — aquele que supera os valores herdados e cria seus próprios.

 

2. A Superação do Ego e a Morte dos Ídolos

 

Nietzsche dizia que os homens criaram muitos deuses e, com isso, colocaram fora de si aquilo que deveriam realizar por si próprios. No Grau 14, o Nome Inefável de Deus é reencontrado dentro do próprio templo interior. Ou seja: Deus não está lá fora — está em mim, quando ajo com justiça, verdade e sabedoria.

 

Essa ideia ecoa a crítica de Nietzsche à religião dogmática, que ele chamava de "moral de rebanho", onde os valores são impostos de fora. O Grau 14 convida o iniciado a abandonar a dependência de símbolos externos e a perceber que o verdadeiro Nome Divino se revela na prática viva da virtude — isto é, nas suas ações.

 

3. A Vontade de Potência e o Templo Interior

 

Para Nietzsche, todo ser vivo expressa uma vontade de potência — um impulso para crescer, afirmar-se, criar e transformar. A construção do templo interior no Grau 14 é uma metáfora perfeita dessa vontade.

 

O maçom que atinge este grau:

 

Destruiu ilusões e máscaras do ego;

Desceu às profundezas do seu ser (conheceu sua sombra);

E agora reconstrói-se com consciência e liberdade;

Ele se torna um criador de si mesmo — arquitetando sua alma como um templo vivo, como propunha Nietzsche em sua filosofia de autossuperação.

 

4. A Luz Interior: Iluminação sem Dogmas

 

Nietzsche dizia que "há mais sabedoria no teu corpo do que na tua mais profunda filosofia". A Luz que brilha no Grau 14 não é uma revelação vinda de fora, mas o despertar da consciência interior. Não há “salvador externo” aqui. O iniciado se salva pela coragem de ser verdadeiro consigo mesmo.

 

A Luz Perfeita é, portanto, o clarear da alma que venceu a culpa, o medo e a mentira. É a aurora da liberdade — a liberdade de pensar, agir e viver conforme uma moral superior, autêntica, fruto da experiência e da reflexão.

 

5. O Espírito Livre e o Sublime Maçom

 

Nietzsche defendia o ideal do "espírito livre" — aquele que rompe com convenções, dogmas e autoridades externas para pensar com autonomia. O Sublime e Perfeito Maçom, no Grau 14, torna-se esse espírito livre:

 

Não segue a verdade dos outros, vive sua própria verdade.

Não busca mais recompensas externas, encontra plenitude em servir ao bem e à beleza do mundo.

Torna-se, enfim, o arquiteto da própria alma.

 

6. A Moral da Superação e a Ética Maçônica

 

Nietzsche criticava a moral que nos fazia sentir pequenos, culpados e dependentes. Ele propunha uma nova moral, baseada na superação de si e no cultivo das próprias virtudes.

 

É exatamente essa a ética proposta no Grau 14:

 

Ser exemplo moral — não por obrigação, mas por coerência interior.

Buscar sabedoria, não para se exibir, mas para servir com humildade.

 

Construir-se a cada dia, como um templo que nunca estará pronto — mas que, por isso mesmo, se mantém vivo e verdadeiro.

 

O Eterno Retorno da Luz

 

Nietzsche nos convida a viver de forma que possamos desejar reviver cada momento, eternamente. Isso é o que ele chama de eterno retorno — viver com tanta intensidade e verdade que sua vida se tornaria digna de ser repetida para sempre.

 

O Grau 14 ensina algo parecido: viver com tamanha integridade e consciência, que sua própria existência se torna uma oferenda ao Grande Arquiteto do Universo.

 

Assim, o Sublime e Perfeito Maçom não busca recompensas no além, mas torna sua vida aqui e agora um verdadeiro templo de luz, sabedoria e virtude.

 

Não é a verdade que deve guiar o iniciado, mas a fidelidade à sua própria luz interior”. — Uma síntese entre o espírito do Grau 14 e o pensamento de Nietzsche.

 

 

 

 (2) Grau 14 – Grande Eleito ou Perfeito e Sublime  Maçom - análise do texto na visão de Immanuel Kant

 

1. O Grau 14 e a Jornada para a Autonomia Moral

 

Immanuel Kant é bem conhecido por sua ênfase na autonomia da razão — a capacidade do ser humano de agir segundo princípios que ele mesmo estabelece, em conformidade com a moralidade universal. O Grau 14 segue um percurso semelhante ao propiciado pela filosofia kantiana, na qual o iniciado, ao descer ao seu interior, começa a perceber as verdades universais não como algo imposto de fora, mas como algo que deve ser reconhecido e agido internamente.

 

Para Kant, a verdadeira moralidade está na capacidade de agir segundo uma lei moral que o sujeito dá a si mesmo, o que ele chama de imperativo categórico. No contexto do Grau 14, essa iluminação espiritual não vem de uma imposição externa, mas é o resultado do despertar da consciência moral do iniciado, que agora entende que deve agir conforme a razão pura e a moral universal, sem esperar recompensas externas.

 

2. A Luz Perfeita e o Conhecimento Transcendental

 

No Grau 14, o iniciado atinge o que é simbolizado como a Luz Perfeita — uma luz interior que reflete o despertar da razão prática. Segundo Kant, o ser humano não tem acesso a uma "realidade última" em termos absolutos (como uma Verdade externa e completa), mas o que ele pode conhecer é o que ele pode apreender e organizar de maneira coerente dentro de sua própria experiência — através das formas de espácio-temporais e das categorias da razão humana.

 

Esse conceito se alinha com a Luz mencionada no Grau 14: não é uma luz que vem de fora, mas uma iluminação que surge dentro de cada um, pois o homem só conhece a verdade a partir de sua razão prática, ou seja, através da compreensão das leis universais e morais que ele deve seguir.

 

O iniciado, então, não recebe uma "verdade revelada", mas sim uma verdade que se torna visível através da prática da razão moral — algo que Kant chamaria de um conhecimento transcendente que não pode ser plenamente explicado, mas somente vivido e experimentado por meio da ação moral.

 

3. O Princípio de Reconciliação e a Ética do Dever

 

O Grau 14 trata sobre a reconciliação do homem com o seu princípio criador, simbolizado pela Verdade Suprema e o Nome Inefável. Kant, em sua filosofia, coloca o dever como um princípio fundamental para a moralidade.

 

No Grau 14, a reconciliação não é uma ação passiva, mas um ato consciente de viver de acordo com os princípios morais, o que se alinha diretamente com a visão de Kant, onde a moralidade é algo que transcende o interesse pessoal e é guiado pela razão prática.

 

Para Kant, a moralidade não depende dos sentimentos ou das inclinações humanas, mas da razão pura, que é o que fundamenta o imperativo categórico. O iniciado que chega ao Grau 14, então, não apenas se reconcilia com uma “verdade divina”, mas age para realizar essa verdade em sua própria vida. Ele deve agir com base no dever moral de viver uma vida justa e virtuosa, como uma expressão da sua razão prática.

 

4. O Templo Reconstruído e o Imperativo Moral

 

A reconstrução do templo interior no Grau 14 é uma metáfora de como a razão moral deve reconstruir e purificar a alma humana. Kant acreditava que o ser humano era dotado de uma inclinação para o bem, mas que, muitas vezes, essa inclinação era obscurecida pelas desejos e influências externas. O trabalho do iniciado, então, é purificar-se dessas influências externas e agir com base nas suas próprias leis morais.

 

Esse conceito pode ser visto como a construção do templo interior, que é a alma purificada que obedece à lei moral interna, sem depender de forças externas. O iniciado deve buscar autonomia moral — ou seja, a capacidade de agir corretamente por sua própria razão, sem se submeter a normas ou imposições externas, mas guiado por um senso de dever universal, que é o próprio caminho de se tornar um verdadeiro “templo vivo” do Grande Arquiteto do Universo.

 

5. A Trindade Filosófica e a Ética Kantiana

 

O Grau 14 também simboliza a unidade entre Deus, Universo e Homem. Esta trindade pode ser interpretada, à luz de Kant, como a união entre o princípio moral, o mundo natural e o indivíduo que deve se guiar pela razão prática.

 

Deus

 

Para Kant, Deus representa a idéia do bem supremo e a moralidade ideal à qual todos os seres humanos devem aspirar.

 

O Universo

 

Refere-se ao mundo físico e natural, que, embora não completamente compreensível através da razão, é sujeito à ordem e à lei.

 

O Homem

 

O ser humano que, com seu livre arbítrio e razão prática, busca agir moralmente, fazendo valer sua própria dignidade e o bem universal.

 

Esses três princípios se entrelaçam na filosofia kantiana, onde o ser humano, ao se guiar pela razão e pela moralidade, alcança a reconciliação com o princípio divino, representado por Deus. Assim, no Grau 14, o iniciado busca essa harmonia, compreendendo que sua ação moral é a ponte entre o divino, o humano e o mundo.

 

6. A Razão e a Perfeição Moral

 

Em Kant, a razão prática é a capacidade de agir de acordo com o dever moral, algo que não se encontra na busca de recompensas ou iluminação externas, mas sim no cumprimento da obrigação moral por si mesma.

 

O Grau 14 oferece, portanto, um caminho de autonomia e moralidade, onde o iniciado não busca a verdade fora de si, mas a encontra no exercício contínuo de sua razão prática, reconectando-se com o princípio divino.

 

O Sublime e Perfeito Maçom é aquele que, com base na razão pura, reconstrói sua alma e se torna um exemplo moral de autonomia e virtude. A verdadeira luz que ele alcança não vem de fora, mas nasce da própria prática moral, da aplicação da razão na construção do templo interior, refletindo a essência da filosofia kantiana em sua vida.

 

A luz que você procura não está fora de você, mas na sua razão moral prática. Reconheça-a e você será o arquiteto do seu próprio templo”. — Uma interpretação do Grau 14 à luz de Kant.

 

(3) Grau 14 – Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom - análise do texto na visão de Gilles Deleuze

 

Gilles Deleuze, filósofo francês da segunda metade do século XX, se afastou da filosofia tradicional ao questionar a noção de identidade fixa e ao propor uma abordagem mais dinâmica e fluida para entender a realidade. Sua filosofia se baseia em conceitos como diferença, desafio das estruturas de poder, e fluxo contínuo de devir. Ao aplicar essas ideias ao Grau 14 do Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA), podemos entender como esse grau não apenas representa uma jornada de autodescoberta e iluminação, mas também um processo de criação contínua da identidade do iniciado.

 

1. O Grau 14 e o Devir do Iniciado

 

Em termos de Deleuze, o Grau 14 pode ser visto como um movimento de devir – um processo contínuo de transformação. Para Deleuze, a identidade não é algo fixo ou determinado; ela é algo que está sempre em fluxo, em transformação.

 

Assim como o iniciado no Grau 14 atravessa várias fases de purificação e reconstrução interior, ele também está sempre se tornando, ou seja, ele não alcança uma perfeição fixa, mas sim uma evolução contínua.

 

A ideia de que o grau representa a "plenitude espiritual" e a reconstrução do "templo interior" pode ser compreendida, à luz de Deleuze, como o "devir" do iniciado: ele não se torna algo estático (como uma perfeição imutável), mas sim um ser em constante transformação, sempre em processo de reconstrução.

 

Deleuze também enfatiza a ideia de desejo como uma força criadora. No Grau 14, o desejo do iniciado não é por uma recompensa externa, mas pela construção do seu templo interior, que está diretamente ligado à sua capacidade de criar sentido para sua vida a partir de suas próprias ações e escolhas. O Grau 14, então, reflete uma atividade criativa, onde o iniciado, ao invés de buscar uma verdade externa e imutável, se reconcilia com seu princípio criador, com a luz interior que surge do seu próprio processo de devir.

 

2. O Templo Reconstruído: O Conceito de "Plenitude" em Fluxo

 

Quando o texto menciona que o Grau 14 é a “consagração de uma jornada simbólica”, é possível interpretá-lo à luz da filosofia de Deleuze como uma plena realização do fluxo contínuo de criação.

 

Para Deleuze, o conceito de plenitude não é estático, mas está em constante fluxo e transformação. O iniciado que reconstrói seu templo interior está, na verdade, reconstruindo-se continuamente, sem um ponto final fixo, mas buscando sempre novos modos de ser e de entender a si mesmo.

 

Essa ideia de plenitude não deve ser confundida com a "perfeição" estática que o grau sugere. Pelo contrário, é uma busca constante pela superação das limitações anteriores, o que se alinha com o conceito de diferenciação de Deleuze: em vez de alcançar um estado imutável, o grau propõe uma jornada de transformação sem fim, na qual o iniciado nunca para de se tornar, de evoluir, de se reinventar.

 

3. A Luz Perfeita e o "Desafiar a Ordem Estabelecida"

 

O símbolo da Luz Perfeita, presente no Grau 14, pode ser lido de forma Deleuziana como a destruição das formas fixas de conhecimento. Em Deleuze, a luz não é algo que ilumina um mundo preexistente, mas sim algo que permite ver o mundo de novas maneiras, questionando as categorias fixas e os dogmas estabelecidos.

 

Para o iniciado, a luz espiritual não se trata apenas de um entendimento intelectual ou racional, mas da habilidade de ver o mundo com outros olhos, rompendo com as formas fixas de perceber a realidade.

 

Em uma leitura Deleuziana, a luz interior simboliza o momento em que o iniciado não vê mais a verdade como algo dado, mas como algo que deve ser criado e interpretado constantemente.

 

Esse movimento é uma forma de ruptura com o estabelecido, alinhando-se com a filosofia de Deleuze, que defendia que a verdadeira transformação exige uma ruptura com as normas pré-existentes, algo que é frequentemente refletido na prática iniciática maçônica, onde o iniciado deve ultrapassar os limites de sua visão de mundo para alcançar uma visão mais ampla e profunda.

 

4. O Retorno ao Uno: Uma Conexão com o Devir Cósmico

 

A ideia de retorno ao Uno e reconciliação com o princípio divino no Grau 14 pode ser entendida à luz da filosofia Deleuziana como um movimento de fluxo contínuo entre o individual e o universal. Para Deleuze, não há um "retorno" fixo a um estado original ou uma essência pré-existente.

 

O "Uno" ou o princípio divino no Grau 14 não é uma verdade fixa, mas uma transformação contínua do iniciado em direção a uma unidade que é, na verdade, um movimento eterno de fluxo. Esse movimento de retorno ao Uno é, então, uma criação contínua do sentido, não algo a ser simplesmente atingido ou alcançado, mas algo que se realiza ao longo de uma jornada sem fim de autotransformação.

 

Deleuze chamaria isso de “planejamento da diferença”, onde o iniciado, ao longo de sua jornada, desafia o status quo e cria novas formas de conexão e sentido. O retorno ao Uno não é um ponto final, mas uma percepção crescente da unidade dentro da diversidade, em constante devir.

 

5. O Dever Filosófico e o "Dizer Sim ao Mundo"

 

O dever do Sublime e Perfeito Maçom no Grau 14 de ser um guia moral e exemplo para os outros, e de buscar sabedoria e humildade, pode ser compreendido como uma prática do "dizer sim" à vida e ao mundo.

 

Em Deleuze, a verdadeira ética não é sobre seguir regras externas ou dogmas, mas sobre agir de acordo com uma moral que vem do fluxo e da criação constante do sentido. O maçom, como exemplo moral, não deve simplesmente seguir um modelo dado, mas ser um criador de novas formas de moralidade, desafiando as normas e os dogmas que limitam o verdadeiro potencial humano.

 

Deleuze acreditaria que o maçom, em seu papel de guia moral, não impõe um sistema fixo de valores, mas se dedica à criação de novas possibilidades de ação ética, alinhando-se com a ideia de que a moralidade é algo a ser constantemente recriado em cada momento.

 

O Iniciado Como Criador de Sentido

 

À luz da filosofia de Gilles Deleuze, o Grau 14 do REAA pode ser interpretado como uma jornada de devir, onde o iniciado nunca chega a um estado final de perfeição, mas está sempre em um processo de transformação e criação.

 

A luz espiritual não é uma verdade preexistente a ser descoberta, mas um fluxo contínuo de criação que desafia as formas fixas de conhecimento e identidade. O iniciado não busca algo externo a si, mas cria constantemente seu templo interior, refletindo um processo infinito de autossuperação e construção do próprio sentido de vida.

 

 (4) Grau 14 – Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom - análise do texto na visão de Pierre Bourdieu

 

Pierre Bourdieu, sociólogo francês, é conhecido por suas teorias sobre a reprodução social, o campo de poder e o conceito de habitus. Bourdieu descreve como as pessoas, muitas vezes de forma inconsciente, incorporam e reproduzem as normas e estruturas sociais em suas práticas diárias. Esse processo é crucial para entender a forma como os indivíduos se posicionam dentro de suas posições sociais e relações de poder, sendo influenciados por fatores históricos, culturais e sociais.

 

Quando analisamos o Grau 14 do Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA) à luz da filosofia de Bourdieu, podemos perceber que o processo de iniciação maçônica pode ser entendido como um movimento social que implica a reconstrução de um habitus e a subida no campo maçônico.

 

1. A Jornada do Iniciado e o "Habitus" Maçônico

 

O conceito de habitus de Bourdieu se refere ao conjunto de disposições, crenças e práticas incorporadas ao longo da vida de um indivíduo, influenciadas pelas condições sociais e pelas experiências passadas.

 

No caso do Grau 14, o iniciado passa por um processo de transformação interior, simbolizado pela reconstrução do templo. De forma análoga ao conceito de habitus, esse processo pode ser visto como uma modificação profunda nas disposições interiores do maçom, que passa a incorporar novas formas de entendimento, ação e relacionamento com o mundo.

 

Ao atingir o Grau 14, o iniciado não é mais a mesma pessoa que entrou nos graus anteriores; ele desenvolveu uma nova postura espiritual e um novo habitus moral e ético.

 

Bourdieu também fala sobre a importância do campo social para a construção do habitus. No caso da maçonaria, o campo maçônico oferece um espaço simbólico onde o iniciado é educado e treinado para adotar um conjunto específico de normas, valores e práticas espirituais.

 

A caminhada do maçom ao longo dos graus pode ser interpretada como uma ascensão dentro do campo maçônico, onde ele passa a ajustar-se aos valores da ordem e a construir seu espaço dentro dessa rede social.

 

2. O Grau 14 como uma Transformação de Capital Simbólico

 

Bourdieu fala em capital simbólico como o tipo de capital que representa o prestígio, o reconhecimento e a legitimidade dentro de um determinado campo. No contexto do Grau 14, o maçom é convidado a buscar e incorporar a "luz espiritual" e o conhecimento profundo da Verdade Suprema, sendo este um capital simbólico que lhe confere um status elevado dentro do campo maçônico. Ao alcançar este grau, o iniciado passa a ser reconhecido como alguém que atingiu um nível elevado de sabedoria e moralidade, conferindo-lhe, portanto, um status superior dentro da hierarquia maçônica.

 

Este capital simbólico não é algo fixo; ele é constantemente renovado e confirmado por meio das práticas de sabedoria, justiça e moralidade exigidas no grau. O maçom, ao se aprofundar em sua jornada espiritual, não apenas busca a iluminação interior, mas também reafirma seu lugar no campo maçônico ao internalizar e praticar as normas e valores espirituais que o definem dentro dessa estrutura social. Portanto, a ascensão dentro da maçonaria é também uma construção de capital simbólico, algo que se conquista por meio do comprometimento com a busca espiritual e o cumprimento dos deveres éticos e morais da ordem.

 

3. O Templo Reconstruído e a Reconciliação com o Divino: Uma Luta de Posições no Campo da Espiritualidade

 

Em Bourdieu, o conceito de campo se refere a um espaço social estruturado, onde as posições dos indivíduos são determinadas pelas relações de poder e pelo capital específico que cada um detém. A maçonaria, em seu conjunto, pode ser entendida como um campo onde o iniciado luta para conquistar um lugar de prestígio espiritual e moral, um lugar que é reconhecido tanto pelos outros maçons quanto por si mesmo.

 

O templo reconstruído, simbolizando a alma purificada e iluminada, reflete o processo de ascensão dentro do campo espiritual da maçonaria. O iniciado, por meio da reconciliação com o princípio divino, não só reconquista seu capital simbólico, mas também modifica sua posição dentro do campo maçônico ao alcançar um estado de maior clareza e sabedoria espiritual.

 

A jornada do Grau 14 é, portanto, também uma luta de reconhecimento dentro desse campo, onde o maçom não só busca a verdade, mas também se estabelece como uma figura de autoridade e moralidade, de acordo com as exigências da ordem.

 

4. A Luz Perfeita: Um Símbolo de Ascensão Social e Espiritual

 

O símbolo da luz perfeita no Grau 14 representa a iluminação interior e o despertar espiritual, algo que pode ser interpretado como uma metáfora para o alcance de um status superior no campo maçônico.

 

Em Bourdieu, a ascensão dentro de um campo social é frequentemente associada à acumulação e legitimação de capital. Para o maçom, a luz representa não apenas um despertar espiritual, mas também o reconhecimento da sua posição dentro da hierarquia da maçonaria. Assim, o iniciado alcança uma nova identidade — uma identidade iluminada que é valorizada e reconhecida dentro do campo maçônico.

 

Esse processo de ascensão espiritual está profundamente ligado à valorização do capital simbólico que o iniciado adquire ao se tornar um exemplo de sabedoria e moralidade para os outros. A luz perfeita é, portanto, não apenas uma revelação espiritual, mas também um sinal de autoridade e prestígio dentro da comunidade maçônica.

 

5. O Maçom como Agente de Transformação e Criador de Sentido

 

Finalmente, o dever filosófico do Sublime e Perfeito Maçom no Grau 14, que consiste em ser um exemplo moral e buscar sabedoria, pode ser entendido à luz de Bourdieu como a responsabilidade do iniciado de agir dentro do campo maçônico de maneira a reforçar suas próprias disposições (habitus) e a legitimar a sua posição dentro da ordem.

 

O maçom, ao agir de forma sábia e virtuosa, está não apenas se moldando internamente, mas também construindo e afirmando sua identidade dentro da rede social maçônica.

 

Além disso, ao praticar humildade e agir de acordo com princípios éticos, o maçom cria sentido e legitima sua posição não apenas para si, mas para os outros membros da fraternidade. Essa prática contínua de autotransformação e legitimação é central para o conceito de Bourdieu sobre a reprodução social, onde os indivíduos, ao se inserirem e se afirmarem dentro de um campo, ajudam a manter e transformar as normas e valores que estruturam esse campo.

 

O Grau 14 como uma Ascensão no Campo Maçônico e Espiritual

 

À luz da filosofia de Pierre Bourdieu, o Grau 14 pode ser entendido como um processo de transformação social e espiritual, onde o iniciado não só reconquista seu lugar dentro da maçonaria, mas também modifica suas disposições interiores (habitus) para reproduzir e transformar o capital simbólico que o define dentro da fraternidade. A luz perfeita, o templo reconstruído e a busca pela reconciliação com o divino não são apenas símbolos espirituais, mas também elementos de uma jornada social em que o maçom, ao ascender dentro do campo maçônico, se reconcilia consigo mesmo e com sua posição dentro da hierarquia da ordem.

 

Hiran de Melo – Presidente da Excelsa Loja de Perfeição “Paz e Amor”, corpo filosófico da Inspetoria Litúrgica do Estado da Paraíba, Primeira Região, do Supremo Conselho do Grau 33 do REAA da Maçonaria para a República Federativa do Brasil.

 

(*) Grau 14 – Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom, recomendo a leitura para melhor entender o presente trabalho. Veja no link:

https://pazeamorloja0225.blogspot.com/2025/04/inspetoria-liturgica-do-estado-da_22.html

 

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